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Administração Municipal

O devedor contumaz em âmbito municipal

Roberto A. Tauil – fevereiro de 2020.

Repercute ainda a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a definição de quem se enquadra no crime contra a ordem tributária. Vejamos:

O Supremo Tribunal Federal, no RHC 163334, assim decidiu: “O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Revogada a liminar anteriormente concedida. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990", vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 18.12.2019”.

A Lei n. 8.137/1990 é o normativo que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. O seu art. 2º, II, diz o seguinte:

“Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (...) II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;”.

Deste modo, o STF entende que o devedor de ICMS passível de sofrer ação penal por crime contra a ordem pública é aquele que: a) é devedor contumaz (reiteradamente); e b) deixa de recolher o tributo cujo custo já foi repassado ao adquirente da mercadoria ou tomador do serviço. Como se sabe, o ICMS é um imposto indireto, pois quem o paga é o adquirente, e quem o recolhe é o fornecedor (comerciante ou prestador de serviço de comunicação e de transporte transmunicipal).

Problema a ser resolvido é o de conceituar “contumaz”. Por certo, não seria devedor contumaz aquele que deixou de recolher o imposto apenas num determinado mês, o motivo não importa. Mas o contribuinte que ficou três meses sem pagar? Seria devedor contumaz?

Num belo trabalho produzido pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO – devedor contumaz seria assim definido:

- ORGANIZA O SEU NEGÓCIO COM A INTENÇÃO PREMEDITADA DE NÃO PAGAR IMPOSTO;

- PROCURA TODOS OS MEIOS ADMINISTRATIVOS E JUDICIAIS PARA PROLONGAR O PAGAMENTO;

- PROCURA TRANSMITIR UMA IMAGEM DE VÍTIMA E DE SERIEDADE EMPRESARIAL;

- GANHA MERCADO DE MODO ILEGAL, À CUSTA DA BRUTAL EVASÃO DE IMPOSTOS;

Como se vê, o devedor contumaz já planeja o seu negócio de forma ilícita. A sonegação ‘faz parte do negócio’, é um ato absolutamente consciente. Tem toda uma estrutura preparada para postergar ao máximo o pagamento de seus tributos. O objetivo é ‘empurrar pra frente’. Os mais poderosos procuram angariar simpatias e relacionamentos com as autoridades políticas e ganhar a mídia através de grandes verbas de propaganda. Gostam de aparecer como filantropos e apoiadores de causas sociais. A ganância é voraz e de ambição desmedida.

Enfim, o devedor contumaz, graças à inadimplência tributária, concorre deslealmente, podendo oferecer vantagens de preços contra as demais empresas do mesmo ramo.

Outro aspecto importante da natureza do devedor contumaz é a sua agilidade em abrir outras empresas do mesmo ramo, tendo para isso um estoque razoável de laranjas, prontas para serem espremidas como suco. Quando estoura uma empresa, de imediato surge outra.

Merece registro o comentário do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa: Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática e atividades econômicas objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial” (STF Pleno ADI173 - Rel. Min. Joaquim Barbosa, 25/09/2008)

Assim conceituado, e examinando o assunto sob o viés municipal, torna-se evidente que devedor de IPTU não poderia ser considerado devedor contumaz. Afinal, o IPTU não se transfere, pois é considerado um imposto material, incidindo sobre o patrimônio do contribuinte. E Tampouco o ITBI.

Assim, possível dizer que no âmbito dos Municípios o único imposto que poderia caracterizar o devedor contumaz é o ISS, levando em conta que tal tributo pode ser repassado no preço cobrado ao tomador do serviço.

Neste sentido, os Municípios devem estabelecer em suas leis os critérios que identifiquem o devedor contumaz e os critérios que deverão ser considerados para a autoridade municipal denunciar ao Ministério Público a prática criminal do contribuinte.  

A guisa de exemplo, o Estado de São Paulo, conforme sua Lei Complementar n. 1.320/2018, estabeleceu as seguintes condições para enquadrar o contribuinte como devedor contumaz:

I - possuir débito de ICMS declarado e não pago, inscrito ou não em dívida ativa, relativamente a 6 (seis) períodos de apuração, consecutivos ou não, nos 12 (doze) meses anteriores;
II - possuir débitos de ICMS inscritos em dívida ativa, que totalizem valor superior a 40.000 (quarenta mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESP e correspondam a mais de 30% (trinta por cento) de seu patrimônio líquido, ou a mais de 25% (vinte e cinco por cento) do valor total das operações de saídas e prestações de serviços realizadas nos 12 (doze) meses anteriores.

Já o Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 13.711/2011) enquadra como devedor contumaz aquele que:

I - deixar de recolher o ICMS declarado em Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA –, sucessiva ou alternadamente, de débitos referentes a 8 (oito) meses de apuração do imposto, considerado os últimos 12 (doze) meses; ou II - tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa que ultrapassem limite de valor definido em instruções baixadas pela Receita Estadual.

Desse modo, os Municípios devem disciplinar a matéria em relação ao ISS. E de grande importância, estabelecer na lei a competência do órgão municipal que deverá oficiar o Ministério Público sobre a ocorrência do crime fiscal. Em geral, tal função cabe à Procuradoria-Geral, que recebe o processo administrativo da Fiscalização, e faz uma análise para verificar se o contribuinte realmente se enquadra como devedor contumaz, ou não passa de um mero devedor eventual a não merecer, assim, a denúncia criminal.