Roberto A. Tauil - Junho de 2020.
Bem no início da pandemia que assola o país e o mundo, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória n. 899/2019, transformada na Lei Federal n. 13.988, de 14 de abril de 2020. Essa Lei trata das transações possíveis de serem firmadas em relação aos créditos de natureza tributária e não tributária.
Como se sabe, a transação tributária está prevista no art. 171 do Código Tributário Nacional, com a seguinte redação:
“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.
O sentido de transação seria o mesmo de ‘transigir’, ou seja, ceder em parte os seus direitos, ou que a parte entenda que seja do seu direito, para que se conclua a discussão e se evite uma demorada demanda judicial.
A transação está regulada no art. 840 do Código Civil Brasileiro: “Art. 840 É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”.
No direito privado a transação é fato comum, podendo o interessado dar um desconto, por exemplo, no valor de um bem que ele negociou com outra pessoa, para que esta faça o pagamento e termine sua discussão sobre um eventual defeito na coisa vendida. E a outra, por sua vez, aceite receber a coisa sem mais colocar em discussão o tal defeito por ela constatado.
Neste exemplo, observa-se que ambas as partes transigiram para chegar a um acordo. Uma parte reduziu o preço de venda; a outra concordou em receber a coisa mesmo defeituosa. A dizer, portanto, que a transação existe quando há concessões mútuas. Se não houver troca de concessões, quando somente uma das partes resolve transigir, a oferecer como justificativa apenas a condição de apressar a solução do litígio, ou suposto litígio, não haveria como entender tal transigência como uma transação. Seria tão somente uma cortesia.
Diga-se mais, se não há controvérsia, não há transação. Em outras palavras, se o devedor não paga o seu débito somente pelo fato de alegar falta de dinheiro, não seria essa uma justificativa a permitir a transação. O credor, no caso, poderia até oferecer um parcelamento, ou ingressar com pedido de penhora de bens ou qualquer outra forma capaz de fazer o devedor pagar o débito. Mas, chegar ao ponto de conceder um desconto no valor original, aí, então, o que temos é puramente uma cortesia do credor, sem receber nada em troca do devedor.
O mesmo acontece no direito tributário. Não há como confundir transação com remissão, moratória e anistia. Um Município pode, por exemplo, instituir uma lei pela qual todos os créditos tributários no valor de até um salário mínimo sejam remidos ou perdoados (desde que observe as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal). Pois bem, isso é remissão, não é transação.
Leia-se Sacha Calmon Navarro Coelho: “O certo é que a transação exige concessões recíprocas, como, v.g., renúncia a honorários. Se apenas uma parte cede, não há transação, senão que ato unilateral capaz de comover ou demover a outra parte”.
Da mesma forma, se o Município conceder prazo especial para pagamento, ou, então, cancelar a cobrança de multas de atraso, tais concessões seriam moratória e anistia, respectivamente. Mas, não transação.
Voltando aos termos do art. 171, as condições fixadas da transação são claras: a) existência de lei (lei específica do ente político); e b) concessões mútuas. A lei designaria as situações de conflito possíveis de solução mediante a transação. Exemplo: interpretação ainda dúbia na identificação do fato gerador ou da base de cálculo do ISS; discussão de matéria ainda pendente de decisão final da Justiça; discussão sobre valores fixados na planta genérica de valores, para IPTU, vis-à-vis valores atuais de mercado; e assim em diante.
Por se tratar de crédito tributário, evidente que o cálculo do principal e encargos é baseado em lei. O servidor não inventa; ele lança de acordo com os termos da lei. Vai daí que conceder reduções de valor em determinados casos em litígio, somente seria possível mediante lei. Nenhuma autoridade municipal, o Prefeito, o Secretário de Finanças, o Procurador-Geral, ninguém pode transigir por vontade própria.
Cabe citar, a propósito, o ilustre Professor Sacha Calmon Navarro Coelho: “Em Direito Tributário, o sujeito ativo não pode dispor do crédito tributário, que é público e indisponível. Somente a lei pode dele dispor”
Deste modo, devemos alertar os Municípios sobre o perigo que surge com a aprovação da Lei Federal n. 13.988, de 14 de abril de 2020. Importante frisar que a referida Lei não interfere nos Estados, Distrito Federal e Municípios. Sua competência é restrita à União. Abaixo, o seu art. 1º:
“Art. 1º Esta Lei estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária”.
Na verdade, essa lei não trata de transação. Ela cuida de remissões e anistias a serem concedidas por um novo órgão administrativo federal, a Câmara Geral de Transação e Conciliação - CGTC, como bem alertou a Procuradora da Fazenda Nacional, Simone Anacleto (conforme www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissões).
Em nossa opinião, a transação tributária é permitida somente nos casos de litígios judiciais, ou seja, quando a cobrança já se encontra na Justiça, e surge uma possibilidade de solução por meio de transigências recíprocas e tendo o acordo do Juiz ou Tribunal. E desde que haja lei que institua os critérios que permitam ao Procurador-Geral transacionar.
Aliás, há uma discussão acadêmica sobre o alcance da transação tributária, conforme os termos do art. 171 do CTN. Temos juristas que entendem que a transação tributária só pode ocorrer nas cobranças judiciais. Outros entendem que as controvérsias administrativas também poderiam ser resolvidas através da transação. Abaixo, a posição do Professor Paulo de Barros Carvalho:
“Divergem os autores a propósito das proporções semânticas do vocábulo litígio. Querem alguns que se trate de conflito de interesses deduzido judicialmente, ao passo que outros estendem a acepção a ponto de abranger as controvérsias meramente administrativas. Em tese, concordamos com a segunda alternativa”.