TRIBUNAL DE CONTAS Fl. Rub.
PARECER 60/2001
Emenda Constitucional nº 25/2000 e Lei Com-plementar nº 101/2000. Repasses ao Poder Le-gislativo. Receitas de autarquia municipal. Pre-cedentes deste Tribunal.
Trata-se de consulta, originária do Executivo Municipal de Bagé, recebida nesta Corte em 24 de janeiro próximo passado, onde o Exmo. Sr. Prefeito Municipal encaminha indagação sobre (a) "os critérios para apuração do valor da Receita Corrente Líquida (...) Para fins de repasse do duodécimo (...) à Câmara Municipal de Vereadores", (b) "quais as receitas a serem deduzi-das do valor da Receita total do município" e (c) a inclusão das receitas do De-partamento de Água e Esgoto de Bagé - DAEB, uma autarquia, para cômputo da Receita Corrente Líquida.
Na Consultoria Técnica, onde o expediente foi recebido em 13 de fevereiro, foi lançada a Informação nº 84/2001, de 11-07-2001, onde se faz remissão ao conteúdo de outras manifestações, em especial à Informação nº 112/2000, e se conclui, ainda, pela inclusão das receitas de taxas de água e esgoto do DAEB no cômputo das receitas consideradas para o cálculo do limite de despesas totais da Câmara de Vereadores.
Recebido o expediente nesta Auditoria (16-07-2001), foi dis-tribuído a este Auditor, durante período de Substituição, que findou em 09-08-2001.
É o relatório. TRIBUNAL DE CONTAS Fl. Rub. Continuação do Parecer 60/2001
Preliminarmente, invocando-se o disposto no art. 138, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal (RITCE), lembra-se que a resposta à consulta não constitui prejulgamento de fato ou caso concreto.
No tema das primeiras duas questões formuladas, e sobre a distinção entre o cálculo que resulta da LC nº 101/2000 (onde aparece o conceito de "Receita Corrente Líquida") e da Constituição Federal (art. 29-A, com a reda-ção dada pela EC nº 25/2000), bem como sobre os elementos integrantes do con-ceito de "Receitas Tributárias e Transferências", manifestou-se o Parecer nº 44/2001, aprovado em 08-08-2001, que diz o seguinte:
"o objeto desta Consulta coincide com aquele contido no proc. nº 6774-0200/00-4, e que foi objeto de julgamento na sessão de 27-06-01, do Tribunal Pleno desta Corte. A orientação ali fixada foi no sentido de que o limite para gastos com a ‘folha de pagamento’, no Poder Legislativo, corresponde a 70 (setenta) % do percentual (de 5 a 8%, conforme a população do Município) do somatório das receitas tribu-tárias e transferências, tudo conforme o dis-posto no art. 29-A, ‘caput’ e § 1º, da Constitui-ção Federal, com a redação dada pela EC nº 25/2000. Este limite não se confunde com aquele dos arts. 19 e 20 da Lei Complementar nº 101/2000 (‘Lei de Responsabilidade Fis-cal’), onde se assinala que as ‘despesas com pessoal’ (assim definidas no art. 18, ‘caput’, da mesma lei) não poderão exceder 60 (sessen-ta) % da receita corrente líquida do Município (art. 19, III), e, à sua vez, 6 (seis) % para o Legislativo Municipal (art. 20, III, ‘a’). A exis-tência de dupla regra de limite não cria anti-nomia, pois resolve-se pela aplicação do limite menor. Assim sendo, os conceitos existentes em cada diploma (Constituição Federal e Lei Complementar) devem guardar a sua precisão,
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não devendo ser confundidos, em qualquer ca-so."
Já no tocante a outra questão formulada, que diz respeito a in-clusão das receitas do Departamento de Água e Esgoto de Bagé - DAEB, corretas as conclusões da Consultoria Técnica, reproduzindo o contido na Informação nº 37/2001, verbis:
"Registradas essas considerações de ordem geral, passamos, a seguir, a tratar da questão suscitada pelo consulente que, centrada no ‘caput’ do art. 29-A da Constituição Federal - artigo esse introduzido pela Emenda Constitu-cional nº 25/2000 -, perquire, em outros ter-mos, se a arrecadação obtida pelo Departa-mento de Água e Esgoto de Bagé - DAEB, de-verá ser reconhecida como parte da receita tributária municipal.
"Assim, iniciando nosso estudo, transcrevemos a disposição constitucional em destaque:
"‘Art. 29-A. O total da despesa do Poder Le-gislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentu-ais, relativos ao somatório da receita tributá-ria e das transferências previstas no § 5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente re-alizado no exercício anterior.’
"Certamente o que interessa para o consulente é saber sobre a composição da receita tributá-ria municipal, uma vez que a respeito das transferências há expressa previsão constitu-cional (§ 5º do art. 153 e nos arts. 158 e 159).
"E, por se tratar especialmente sobre as recei-tas tributárias municipais, vale um brevíssima
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. conclusão: a sua composição se faz pelo pro-duto da arrecadação dos impostos (Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Ur-bana - IPTU; Imposto Sobre Serviços de Qual-quer Natureza - ISSQN e Imposto Sobre Transmissão ‘Inter Vivos’ de Bens Imóveis e de Direitos Reais Sobre Imóveis - ITBI), das taxas e das contribuições de melhoria
"Cabe-nos referir que, na Informação nº 112/2000, consubstanciada no Processo nº 6.774-02.00/00-4, que tramita nesta Corte e pende de decisão, foi externado entendimento de que também devem ser considerados como receita tributária, pelos motivos na mesma ex-postos, que deixamos aqui de reproduzir, os valores advindos:
"‘a) da cobrança da Dívida Ativa Tributária, desde que o efetivo ingresso dos recursos res-pectivos tivesse ocorrido no exercício de refe-rência, ou seja, no exercício imediatamente an-terior àquele em que o limite deveria ser con-siderado.
"(...)
"b) das contribuições sociais descontadas dos servidores municipais, no caso da existência de regime previdenciário próprio.’
"Volvendo à consulta, convém dizermos que o Departamento de Água e Esgoto de Bagé - DAEB, é autarquia municipal, integrante da administração indireta, criada por Lei1, com personalidade jurídica de direito público e au-tonomias administrativa, técnica e financeira. E, como pessoa jurídica de direito público in-terno, com atribuições estatais específicas,
1 "Lei Municipal nº 1.559, de 24/3/69."
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possui orçamento e receitas próprios2, destina-das estas a satisfazer suas finalidades eminen-temente públicas.
"Entre seus recursos, destacamos para análi-se, apenas o produto da arrecadação das taxas de água e esgoto, instituídas pela Lei Munici-pal nº 3.165/943, porquanto os demais recursos arrecadados por meio de eventuais operações de crédito, originários da concessão de sub-venções, ou, ainda, derivados da alienação de bens patrimoniais, e outros não são receitas tributárias.
"Ao discorrer sobre o suprimento de água, o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles4 assim se posicionou: ‘o abastecimento de água potável e industrial é serviço público necessário a to-da cidade ou núcleo urbano e, como tal, in-cumbe ao Município prestá-lo nas melhores condições técnicas e econômicas para os usuá-rios.’
"Ainda o Mestre: ‘a remuneração dos serviços de água e esgotos normalmente é feita por ta-xa, em face da obrigatoriedade da ligação do-miciliar à rede pública. Tem-se insistido na
2 "Constitui receita do DAEB ‘o produto da arrecadação de taxas de seu serviço, inclusive a remoção de lixo domiciliar produto das operações de crédito que forem realizadas; os créditos especiais; o produto dos aluguéis, da venda de materiais inservíveis e de alienação de bens patrimoniais; as rendas obtidas por serviços que prestar; os auxílios e subvenções de qualquer natureza e outros rendimentos diversos.’ (Art. 2º da Lei Municipal nº 2.397/86, que alterou o art. 5º da Lei Municipal nº 1.559/69)."
3 "A fim de subsidiar nossa análise, solicitamos ao Poder Legislativo local, em 03-4-2001, cópia da le-gislação municipal que fixava os critérios de aplicação das taxas de água e esgoto. Imediatamente, nos foi encaminhado pela Diretora da Câmara Municipal de Bagé, Sra. Liliane Gonçalves, via ‘fac-símile’, cópia da Lei nº 3.285/95, que estabeleceu os critérios para a cobrança das Taxas de Água, Esgoto e Expediente, no Município de Bagé. Após, em 11-04-2001 recebemos daquela Diretora, cópia da Lei Municipal nº 3.165/94 que instituiu as ‘Tarifas de Água e Esgoto no Município de Bagé’. Registramos, por oportuno, que não localizamos na documentação arquivada nesta Corte de Contas, relacionada ao Município de Bagé, a legislação que respaldava a cobrança das Taxas de Água e Esgoto, antes de 1994."
4 "‘In’ Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editores, 6ª Edição atualizada por Izabel Camargo Lo-pes Monteiro e Yara Darcy Police Monteiro, 1992, p. 313."
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remuneração por tarifa, com a colocação de medidor (hidrômetro), mas isto só será possí-vel se cobrar separadamente a taxa de esgoto e a tarifa de água, aquela compulsória e esta fa-cultativa, segundo o consumo do usuário. O só fato de estabelecer-se uma taxa medida não a descaracteriza como tributo, transformando-a em preço, pois persistirão ainda a compulsori-edade da ligação e o consumo mínimo tipifi-cando a taxa.(...) Dificilmente se poderá co-brar o serviço de água mediante tarifa, porque a sua ligação domiciliar é de interesse sanitá-rio e por isso deve ser compulsória para todos os moradores da cidade. Ora, como uma das características da tarifa (preço público) é a fa-cultatividade na utilização do serviço, torna-se incompatível a liberdade de seu pagamento com a obrigatoriedade da sua utilização. So-mente nas cidades em que seja facultativa a li-gação domiciliar de água à rede urbana o que não é aconselhável - poder-se-á adotar a re-muneração por tarifa.’5 (Grifamos.)
"Diógenes Gasparini, no mesmo sentido, en-tende que os serviços públicos, especialmente aqueles de coleta de esgoto sanitário e os de distribuição de água domiciliar, ‘ambos de fruição compulsória, se postos à disposição dos usuários, são custeados por taxa, sejam ou não efetivamente utilizados.’6 (Grifo nosso.)
"Por fim, Régis Fernandes de Oliveira adota o mesmo entendimento sobre a cobrança de taxa pelo serviço de abastecimento de água e esgo-to. Na obra ‘Receitas Públicas Originárias’7, testemunhou aquele magistrado, que ‘a utiliza-ção efetiva ou potencial de serviço público (...)
5 "‘Op. cit.’, p. 314."
6 "‘In Direito Administrativo. Editora Saraiva, 3ª Edição, 1993, p.233."
7 "Editora Malheiros, 1993, p. 85."
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enseja a cobrança de Taxa. Não há outra pos-sibilidade. Evidentemente devem ser eles espe-cíficos e divisíveis. Podem ser apenas potenci-ais, mas, neste caso, a taxa só será exigível se o serviço for de recepção obrigatória - com o apoio da Constituição, explicita ou implicita-mente - como é o caso de enterramento de ca-dáveres, esgoto, abastecimento de água potá-vel e outros que atendam a interesse geral ine-xorável, definido em lei.’ (Grifos nossos.)
"Como podemos ver, converge a doutrina pá-tria no sentido de que os serviços de abasteci-mento de água e esgoto, em regra, são serviços tipicamente públicos, prestados ou postos à disposição do contribuinte, e, como tais, devem ser cobrados pelo Poder Público através de taxas legalmente instituídas, e não através de tarifas (preços públicos).
"No caso do Município de Bagé, a Lei nº 3.165/94, embora tenha instituído ‘Tarifas de Água e Esgoto’, considerado o teor da alu-dida norma, em cotejo com os entendimentos doutrinários, efetivamente instituiu taxa, face ao seu caráter compulsório.
"De fato, estabelecidos os tributos, os valores arrecadados pelo DAEB, somente a esse título, deverão ser considerados como parte da recei-ta tributária do Município, incidindo, conse-qüentemente, no cálculo do limite para despe-sa total do Poder Legislativo, para fins de a-tendimento ao art. 29-A, recém acrescido à Constituição Federal, pela EC nº 25/2000."
Conclui-se, sinteticamente, que:
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a) os critérios para apuração da "Receita Corrente Líquida" são os do inc. IV do art. 2º da LC nº 101/2000, mas para fins de cálculo do per-centual (limite) de que cogita o caput do art. 29-A da Constituição Federal o refe-rencial deve ser o das "receitas tributárias e transferências", segundo composição antes mencionada;
b) as "receitas" que devem ser deduzidas da "Receita Total" do Município, para os fins de cômputo do repasse ao Poder Legislativo são, tão-somente, aquelas que não se inserem no conceito de "receitas tributárias" ou, tampouco, de "transferências";
c) as receitas do DAEB devem ser computadas para fins de cômputo do repasse ao Poder Legislativo, no cálculo de que cogita o art. 29-A da Constituição Federal.
Sugere-se o envio ao Consulente, além do presente Parecer e do Parecer nº 44/2001, também das cópias dos votos do Relator nos Processos nº 6774-0200/00-4 e nº 10302-0200/00-6, para melhor caracterizar as posições desta Corte.
É o meu parecer.
Auditoria, 27 de agosto de 2001.
CESAR SANTOLIM
Auditor Substituto de Conselheiro
Processo nº 01243-02.00/01-7
DECISÃO: O Tribunal Pleno, em sessão de 21-11-2001, ressalvando o contido no artigo 138, parágrafo 2º, do Regimento Interno deste Tribunal, no sentido de que a resposta à Consulta não constitui prejulgamento de fato ou de caso concreto, à unanimidade, acolhe o Voto do Senhor Conselheiro-Relator e o Pronunciamento da Auditoria e,
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decide enviar ao Consulente cópia dos Pareceres nºs 60/2001, da lavra do Auditor Substituto de Conselheiro Cesar Santolim, acolhido nesta data, folhas 19 a 26, bem como do Parecer nº 44/2001, também da lavra do Auditor Substituto de Conselheiro Cesar Santolim, exarado no Processo nº 4183-02.00/01-8, acolhido em Sessão Ple-nária de 08 de agosto de 2001 e dos Votos do Conselheiro Victor José Faccioni, proferidos nos Processos nºs 6774-02.00/00-4 e 10.302-02.00/00-6.
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