Diz o art. 36 da Lei nº 4.320:
"Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas".
Existem, pois, duas categorias de Restos a Pagar:
A) Resultantes da despesa processada, ou seja, que estavam em fase de pagamento quando se esgotou o exercício financeiro;
B) Resultantes de despesas empenhadas, cujo processo de pagamento não tenha sido finalizado.
Os Restos a Pagar devem, assim, ser desdobrados em:
A) processados - aqueles referentes a empenhos executados, liquidados e prontos para pagamento, já se verificando o direito do credor pelo crédito correspondente;
B) não processados - aqueles referentes a empenhos de contratos que ainda se encontram em plena execução, não se verificando ainda os direitos líquidos e certos dos credores.
O citado art. 36 foi, praticamente, regulamentado pelo Decreto-lei nº 1.815/80, do qual podemos extrair os seguintes ensinamentos normativos:
As despesas empenhadas, mas não processadas ou liquidadas dentro do próprio exercício, são canceladas em 31 de dezembro, considerando-se anuladas as respectivas notas de empenho. Esta regra visa evitar a emissão de empenhos feitos à última hora do exercício, com o fito único de serem cancelados no início do exercício seguinte e com isso evidenciar um volume de receita que viria propiciar recursos para abertura de créditos adicionais.
O dispositivo não impede, porém, que ocorra o aparecimento de Restos a Pagar a processar, apenas não se considerando as despesas impugnadas ou pendentes de regularização. Em Restos a Pagar só devem ser inscritas aquelas despesas contratadas e que vão se efetivar no exercício seguinte.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba elaborou parecer do qual extraímos a seguinte parte:
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Os Restos a Pagar podem ser utilizados como 'fonte de recursos', provavelmente para o fim de abrir créditos adicionais?
Os Restos a Pagar, conforme art. 92, Lei nº 4.320/64, fazem parte da chamada Dívida Flutuante cujo total representa o Passivo Financeiro (art. 105, § 3º, Lei 4.320/64). Os créditos adicionais têm como uma das fontes para respectiva abertura o 'superávit' financeiro apurado no exercício anterior (art. 43, § 1º, I). Logo, o cancelamento de Restos a Pagar só poderá ser utilizado como fonte para abertura de créditos adicionais no exercício seguinte ao do cancelamento, se de tal anulação resultar 'superávit' financeiro, que vem a ser a Diferença Positiva entre o Ativo Financeiro e o Passivo Financeiro apurada em 31 de Dezembro de cada ano, após o encerramento do Balanço Patrimonial.
O registro contábil da baixa de Restos a Pagar inscritos - necessariamente em exercícios anteriores ao da baixa - faz-se segundo o sistema abaixo:
1. No Sistema Financeiro:
D - Restos a Pagar
C - "Anulação de Despesa de Exercícios Anteriores" (Receita Extra-orçamentária)
Histórico: Valor que se cancela de Restos a Pagar não processados face ao não reconhecimento das despesas constantes das Notas de Empenho números ... (xxx/aa) - número/ano - conforme determinação do chefe do poder executivo nos termos do Decreto/Portaria/Comunicação nº ... de ..../..../.... .
2. No Sistema Patrimonial:
D - Passivo Financeiro - Restos a Pagar
C - Variações Ativas - Independente da Execução Orçamentária - Baixa de Restos a Pagar
Histórico: Valor que se cancela de Restos a Pagar não processados face ao não reconhecimento das despesas constantes das Notas de Empenho números ... (xxx/aa) - número/ano - conforme determinação do chefe do poder executivo nos termos do Decreto/Portaria/Comunicação nº ... de .... /..../.... .
A inscrição em Restos a Pagar far-se-á no encerramento do exercício de emissão da Nota de Empenho e terá validade até 31 de dezembro do ano subseqüente. Esta norma tem por objetivo evitar o aparecimento em anos seguintes de Restos a Pagar onerando os balanços e fazendo aparecer dívidas até prescritas. Quanto aos Restos a Pagar não processados, logicamente, não observadas as cláusulas do contrato, entre elas a do prazo estabelecido, deverão ser cancelados imediatamente.
Lei de Responsabilidade Fiscal
Diz o art. 42 da Lei Complementar nº 101/2000:
Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.
No cálculo das disponibilidades deverão ser abatidos todos os encargos e demais compromissos a vencer até o final do exercício. Aparentemente, a interpretação dos Tribunais de Contas tem sido ponderada e, de alguma forma, favorável aos administradores municipais. Entendem os Tribunais que a interpretação da LRF nem sempre poderá ser feita literalmente, sendo necessário, ainda, a verificação dos seus efeitos, no sentido de não prejudicar o bom funcionamento dos serviços públicos.
Vejam os comentários extraídos do Manual do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, onde são abordados os aspectos e as implicações mais importantes para o entendimento desta matéria:
O art. 42, o qual apresenta limitações ao Administrador em seu final de mandato, foi inserido na Seção VI - Dos Restos a Pagar, Capítulo VI - Da Dívida e do Endividamento, assim dispondo:
(...)
Este dispositivo, a princípio, apresenta um cunho moralizador, coibindo o Administrador Público de legar débitos a seu sucessor, situação muito comum nos dias de hoje.
Dois aspectos preliminares são importantes: o primeiro diz respeito ao fato de que o dispositivo encontra-se, como dito, inserido no Capítulo sobre o endividamento e que, por isso, em conformidade com o art. 1º, § 1º, se constitui em um dos meios para o atingimento do equilíbrio das contas públicas. O segundo, é que o artigo se refere à dívida flutuante e, mais, especificamente, do controle rígido dessa dívida flutuante nos últimos oito meses do mandato do titular do Poder. Logo, o seu cumprimento é requisito para o enquadramento no conceito de gestão fiscal responsável.
No que se refere ao endividamento, a LRF se restringiu a dispor sobre limites e condições quanto à dívida fundada, não o fazendo, com exceção do artigo ora em comento, quando à dívida flutuante. Portanto, se o equilíbrio das contas públicas é um dos princípios a ser buscado durante toda a gestão do administrador, a Lei, no que se refere aos últimos oito meses do mandato, trata o equilíbrio de forma mais rígida, devendo-se, desta forma, buscar o entendimento do artigo em conformidade com os demais dispositivos legais existentes. Oportuno referir-se que os chamados restos a pagar, os quais destinam-se ao registro dos valores cuja despesa não pôde ser realizada ou paga até o término de um exercício, devem ter a devida provisão de recursos financeiros, arrecadados no exercício de sua inscrição, para seu pagamento na época oportuna. Aliás, os artigos 47 e 48 da Lei Federal nº 4.320/64 já estabeleciam a necessidade de uma programação financeira, objetivando evitar justamente, o aparecimento de déficit da execução orçamentária.
Entretanto, isto não foi verificado ao longo dos tempos, pois, normalmente, os valores eram ali inscritos sem haver a respectiva disponibilidade de caixa, onerando, conseqüentemente, a execução orçamentária do(s) exercício(s) seguinte(s). De outra parte, cabe destacar que o dispositivo em tela deverá ser analisado com muita cautela, a fim de não ser criado embaraço à ação da Administração, frente às diversas situações que poderão surgir, as quais deverão ser analisadas uma a uma. O mandamento em análise veda ao titular de Poder ou órgão contrair "obrigação de despesa" sem que a mesma possa ser paga nos últimos oito meses do mandato ou, ainda, sem que o Poder/órgão possua, em caixa, em 31 de dezembro, recursos financeiros para a sua satisfação, no caso de vir a efetuar seu pagamento no exercício seguinte. A expressão grifada "obrigação de despesa" merece alguns comentários, considerando inexistir na Lei nº 4.320/64, embora esteja inserida na Constituição Federal, em seu art. 167, inciso II.
(...)
O termo "obrigação de despesa" como posto na LC nº 101/2000, tem o objetivo de atingir não somente o empenho de despesa, mas também todo aquele compromisso assumido e que efetivamente ainda não esteja materializado na fase do empenho. Uma leitura rápida e descontextualizada dos princípios constitucionais orçamentários, notadamente o princípio da anualidade orçamentária, e com o próprio parágrafo único do art. 42, poderia levar à interpretação de que o administrador público teria a obrigatoriedade de manter, em sua integralidade, no caixa do Poder ou órgão, recursos necessários à satisfação das obrigações de despesas contraídas. Porém, tal entendimento não se afiguraria como procedente.
Ocorre que o caput do art. 42 refere-se à obrigação de despesa; contudo, o seu parágrafo único, ao regulamentar o caput, esclarece que, na determinação das disponibilidades de caixa, deverão ser consideradas as despesas compromissadas a pagar até o final do exercício. Nada mais correto. As despesas compromissadas são aquelas que foram ou irão ultrapassar a fase da liquidação do empenho até o final do exercício; logo, do total da obrigação de despesa contraída nos dois últimos quadrimestres, que ultrapassassem aquele exercício, para fins de apuração das disponibilidades de caixa, somente seriam consideradas aquelas parcelas do compromisso assumido que fossem liquidadas até o final do exercício, ficando as demais, em obediência ao princípio da anualidade orçamentária, com fonte de financiamento nos orçamentos dos próximos exercícios.
Por conseqüência da aplicação do princípio contábil da competência da despesa, a "obrigação de despesa" de que trata o artigo 42, quando do final do exercício, seria praticamente sinônimo de despesa liquidada ou em execução, que deveria ter o seu pagamento efetuado dentro ainda do exercício financeiro ou, no mínimo, que houvesse recursos em caixa disponíveis, neste mesmo exercício, para satisfação da obrigação, mesmo que o pagamento ocorresse no exercício seguinte. O questionamento seguinte, e que se impõe, é sobre qual o tratamento que deveria dar o Poder/órgão, para o atendimento do requerido no art. 42, frente ao cumprimento conjunto do disposto no Decreto-lei nº 201/67, art. 1º, XII, e no art. 5º da Lei nº 8.666/93, quando à ordem cronológica de pagamento dos fornecedores, se o Poder/órgão possuísse saldo elevado de dívidas de curto prazo inscrito em Restos a Pagar, que o impossibilitasse, nesse exercício, de encerrá-lo com o pleno atendimento do art. 42?
(...)
Em princípio, surgiriam duas alternativas: a primeira seria no sentido de que fosse efetuado o pagamento, com os recursos financeiros disponíveis, somente daquelas despesas que fossem geradas nos últimos dois quadrimestres, sem a observância da ordem cronológica dos pagamentos aos fornecedores, como meio de atendimento do disposto no art. 42; a segunda, seria a observância da ordem cronológica, restando, por conseqüência, não pagas e sem cobertura para tanto, ao final do exercício, as despesas contraídas nos últimos oito meses do mandato.
Nesse sentido, a interpretação e sugestão de procedimentos que se afiguram como razoáveis contemplam a vontade da Lei (não a do legislador). Assim, preliminarmente, os registros contábeis deveriam evidenciar, no Passivo Financeiro, as despesas com as respectivas baixas e saldo, a fim de dar transparência às despesas efetuadas nos últimos dois quadrimestres. Também seria dever do Poder/órgão, para fins de transparência e informação contábil, que fosse calculada a sua situação financeira em 30 de abril.
De posse dessas informações contábeis que permitiriam aferir a situação financeira antes do início dos últimos oito meses do mandato, o cumprimento do artigo 42 sugeriria que, ao final desses oito meses, não pudesse o administrador apresentar resultado financeiro desfavorável em relação a 30 de abril se este fosse negativo, e, no máximo nulo, se este se apresentasse positivo.
(...)
Em outras palavras significa dizer que o comando do art. 42 deseja impor limite à geração de despesa nos últimos oito meses do mandato, que fosse condicionada à capacidade financeira de sua absorção. De forma simples, pode-se afirmar que nos últimos oito meses do mandato do titular de Poder/órgão a despesa, considerando o regime de competência, ficaria limitada à realização da receita, respeitando o regime de caixa. Não se poderia conceber, na interpretação, ao menos nesse primeiro exercício de vigência da LRF, que teria o atual administrador público a responsabilidade pela tarefa do equilíbrio entre os recursos de caixa e os Restos a Pagar que, historicamente, acumulam-se por vários exercícios; mas, sim na impossibilidade de o administrador cometer exageros na geração da despesa no período que antecede novo mandato, no caso, eleito pela Lei como sendo aquele abrangendo os dois últimos quadrimestres, assim como, também, não poder-se-ia pensar que, para que o cumprimento do art. 42, ter-se-ia que ser descumprida a legislação correlata.
Reforçando, ainda, este entendimento, refira-se, quanto às despesas abarcando os dois últimos quadrimestres, que o Poder Público não pode prescindir da realização de determinadas despesas de custeio, tais como aquisição de materiais (de consumo ou permanentes) e de serviços etc., sob pena de ficar impossibilitado da prestação de serviços mínimos à população. Importante, ainda, mencionar que, no tocante aos recursos financeiros vinculados à aplicação em determinados objetos, seja em decorrência de norma legal ou de convênio, observa-se-ia a ordem cronológica correspondente, assim como estaria vedada sua utilização para o pagamento de despesas que não estivessem relacionadas à sua aplicação.
Fonte: "A Lei 4.320 Comentada", de J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM; e "Lei Complementar nº 101/2000 - Entendendo a Lei de Responsabilidade Fiscal", de Edson Ronaldo Nascimento e Ilvo Debus, Tesouro Nacional.