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Finanças Municipais

Justiça Fiscal para os Municípios

François E. J. de Bremaeker – Observatório de Informações Municipais

Roberto A. Tauil – Consultor Municipal

Uma Proposta de Emenda Constitucional

Uma forma de minimizar a penúria financeira dos Municípios e de estabelecer uma maior justiça fiscal seria:

A - Ressarcir os Municípios pelos serviços públicos prestados e usufruídos pela União e Estados, através de seus imóveis instalados nas áreas urbanas municipais. Como se sabe, os imóveis urbanos pertencentes à União e aos Estados não são tributados pelo IPTU por força da imunidade recíproca instituída no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. E esses imóveis, em geral, estão localizados nas áreas mais valorizadas, a representar uma “perda” significativa de receita, embora gozem dos serviços públicos municipais, do tipo, limpeza pública, calçamento e asfaltamento das vias públicas, iluminação de rua e coleta de lixo, entre outros, mas sem qualquer retribuição financeira aos cofres municipais.

Uma forma de ressarcir os Municípios é praticada em alguns países, como o Canadá, por meio de uma compensação financeira, do tipo ‘royalty’, de valor correspondente ao IPTU, imposto que não pode ser cobrado em razão da imunidade.

B - Nas sábias palavras de Misabel Abreu Marchado Derzi, “é curioso que, em nosso País, os Municípios ainda não se tenham dado conta do ônus tributário que suportam em suas aquisições, pagando IPI, PIS-COFINS e ICMS aos demais Entes da Federação, por transferência direta nos preços de suas compras”. De fato, sempre que um Município adquire bem de consumo ou ativo fixo, acaba suportando o peso dos tributos embutidos no preço do produto.

Por se tratar de contribuinte de fato, ou indireto, a Administração Pública Municipal não goza da imunidade recíproca ao fazer suas compras, pois a tributação onera o chamado contribuinte de jure, ou de direito, embora quem efetivamente viesse a ser onerado pelos tributos fosse o adquirente, ou consumidor final.

Vem daí o chamado Fundo de Compensação do IVA (ou TVA), criado na França, em 1975, justamente para restituir às municipalidades o imposto que as Administrações Públicas Municipais pagam em suas compras.

O Supremo Tribunal Federal não reconhece o direito à imunidade recíproca nos casos em que o Ente da Federação é o contribuinte de fato. O mais curioso é que o próprio STF reconhece a relevância da situação do contribuinte de fato quando ocorre a pretensão da restituição de indébito, como se verifica pela leitura da Súmula 546 abaixo:

Súmula 546. Cabe a restituição de tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo.

Neste sentido, seria plenamente razoável que a imunidade recíproca fosse mais abrangente, a considerar também imune as operações mercantis em que o Ente federativo participe como comprador final, ou contribuinte de fato.

C - Uma das flagrantes violações aos princípios da igualdade e isonomia é o fato de certas atividades econômicas não sofrerem tributação de impostos de produção em suas operações ou negócios efetuados. Temos, como exemplos, a atividade econômica de locação de bens móveis e cessão de direito de uso. Estima-se que a atividade econômica de locação de bens móveis gerou, em 2014, R$44 bilhões de receita, valor não tributado por qualquer imposto de produção.

Na União Europeia a locação de bens móveis é tributada normalmente, no elenco de serviços, mas, no Brasil, o ISS tributa somente os contratos de ‘obrigações de fazer’ de acordo com os critérios do direito privado. Urge, assim, que a Constituição Federal amplie a competência dos Municípios para alcançar, via Imposto sobre Serviços, tais atividades que, conceitualmente, não seriam prestações de serviços.

Neste teor, segue uma proposta de Emenda Constitucional que viesse a viabilizar as três reivindicações acima sugeridas.

Emenda Constitucional n. ...

Dá nova redação ao inciso VI do art. 150 e ao inciso II do art. 156, e institui o art. 182-A, todos da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º A alínea a do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

a) patrimônio, renda ou serviço, uns dos outros, inclusive quando a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, e suas autarquias e fundações, forem contribuintes indiretos nas operações relativas à circulação de mercadorias e de produtos industrializados, e de serviços sujeitos à tributação pelos Estados e somente esses no âmbito de competência do Distrito Federal.

Art. 2º O inciso III do art. 156 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

III - serviços de qualquer natureza, exceto os compreendidos no art. 155, II, atividades econômicas de locação de bens móveis e cessão remunerada de direitos de uso, exclusive de imóveis, todos definidos em lei complementar.

Art. 3º Fica acrescentado o art. 182-A na Constituição Federal, com a seguinte redação:

Art. 182-A. É assegurada, nos termos da lei, aos Municípios uma compensação financeira devida pela União e Estados, pela localização de seus imóveis próprios na área urbana dos Municípios, em razão do aproveitamento dos serviços públicos municipais, calculada mediante os mesmos critérios adotados pela municipalidade nos lançamentos do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, para os contribuintes em geral.

Art. 3º Essa Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

A real situação dos Municípios

O conjunto dos Municípios brasileiro teve a seu dispor, em 2015, o montante de R$ 566,2 bilhões, o que correspondeu a 6,53% a mais do que o montante de recursos disponíveis em 2014. Estes recursos dizem respeito às receitas tributárias, às transferências constitucionais e voluntárias e às outras receitas.

Considerando-se que a inflação apurada pelo IPCA em 2015 foi de 10,67% e que o salário mínimo foi reajustado em 8,84% a partir de janeiro de 2015, é flagrante a pressão sofrida pelos Municípios para atender a todas as demandas por serviços, cujos custos superam o crescimento das receitas, levando a maioria deles a fechar o exercício em déficit fiscal.

Dados levantados junto à Controladoria Geral da União em início de dezembro de 2016 mostram que as transferências federais em favor dos Municípios apresentaram uma queda de 26,66% para o conjunto dos Municípios e de 28,34% para as capitais. Isto sem contar a inflação!

O Fundo de Participação dos Municípios, a principal fonte de receita da maioria dos Municípios brasileiros, principalmente aqueles de menor porte demográfico, cresceu em 2016 apenas 4,59%, considerando-se as estimativas para dezembro de 2016, mesmo recebendo o adicional de 1% em julho de 2016.

Em novembro os Municípios obtiveram uma receita extraordinária do FPM oriunda da repatriação de recursos. Este repasse adicional fez com que a previsão para 2016 seja de um aumento do FPM de 10,36% em relação a igual período de 2015. Com o repasse do valor das multas da repatriação o FPM cresceu 16,78%. Mas sabe-se que esta receita não deverá se repetir na mesma intensidade no ano de 2017.

Para o ano de 2017 foi previsto no Orçamento Geral da União um aumento do FPM da ordem de 6,09% e o aumento do salário mínimo a partir de janeiro de 7,5%.

Estes dados mostram que os Prefeitos que iniciam seu mandato em 1 de janeiro de 2017 deverão ser econômicos nos seus gastos até que a recuperação da economia se faça sentir nos repasses do FPM e também do ICMS, que depende do desempenho do consumo nos Estados.

Outros ingredientes que deverão afetar as transferências voluntárias em favor dos Municípios dizem respeito às restrições orçamentárias tanto da União como dos Estados, motivados pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional do “Teto de Gastos”, o aumento da desoneração das receitas da União e dos Estados, como também pelos fortes ajustes fiscais que deverão ser empreendidos pelos Estados para reduzir os efeitos dos desajustes fiscais.

Outro fator que dificultará a liberação de transferências voluntárias é a ampliação dos recursos que poderão ser desvinculados do orçamento. A desvinculação das receitas da União elevou-se de 20% para 30% e em relação aos Estados foi aprovada uma Desvinculação das Receitas dos Estados igualmente de 30%. A agravante é que para os Estados não havia o instituto da desvinculação orçamentária anteriormente. A finalidade é ajudar o pagamento das dívidas da União e dos Estados.

Em relação aos Municípios também foi aprovada a Desvinculação das Receitas dos Municípios em 30%. Mas é uma ilusão contábil, pois sendo os Municípios o ente da Federação que se encontra mais próximo da população, além de encontrar restrições no recebimento de recursos da União e dos Estados, acabarão por serem cobrados pela população para a prestação dos serviços, o que pressionará ainda mais as já combalidas finanças dos Municípios. Exceções podem existir entre os Municípios, principalmente os de maior porte demográfico, mas não são a regra.

Pacto Federativo

Em teoria a reconstrução do Pacto Federativo, reclamado há várias décadas pelos Municípios, é simples. Bastaria equacionar uma regra de três: redefinir os encargos para em seguida redistribuir os recursos. Entretanto, isto depende de dois importantes fatores: a vontade política dos demais entes federados (União e Estados) e da unidade de reivindicações por parte dos Municípios. Em tempos de poucos recursos financeiros, aí é que as dificuldades de agigantam.

As despesas municipais com o pagamento de serviços, ações e programas dos demais entes da Federação representaram em 2015 mais de R$ 25 bilhões, sendo que os Municípios de menor porte demográfico são os que são mais afetados.

Uma forma de minimizar a penúria financeira dos Municípios e de estabelecer uma maior justiça fiscal é evitar que haja uma drenagem dos recursos de pequenos Municípios do interior em direção aos grandes centros urbanos quando da aquisição de bens e serviços, que deveriam ter os tributos referentes a estas operações retidos nos Municípios de origem, a exemplo do que ocorre com o Imposto de Renda Retido na Fonte (art. 157,I).