Roberto A. Tauil – abril de 2019.
Embora o tema Dívida Ativa seja assunto contábil, o Código Tributário Nacional trata da matéria nos artigos 201 a 204, em vista do aspecto jurídico da presunção de certeza e liquidez da dívida assim constituída. Ao mesmo tempo, exatamente por ser assunto contábil, a Lei n. 4.320 (Contabilidade Pública) trata do assunto no seu art. 39.
Vamos transcrever parte das normas acima referidas:
Definição de Dívida Ativa
Art. 201 do CTN – “Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado para julgamento, pela lei ou por decisão final proferida em despacho regular”.
§ 2º do art. 39 da Lei n. 4.320 – “Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa Não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos (...)”.
Como se vê, a definição da Lei n. 4.320 é essencialmente financeira, distinguindo a dívida ativa tributária da não tributária. Bom lembrar de que autos de infração decorrentes de violações das normas de posturas, vigilância sanitária, obras, meio ambiente, não são enquadradas como dívida ativa tributária. Devem compor o quadro de dívida ativa não tributária, do mesmo modo que preço público, tarifas, laudêmios e outros créditos.
Vale observar que a definição dada pelo art. 201 do CTN se direciona aos aspectos jurídicos do cumprimento do controle de legalidade sobre a constituição definitiva do crédito tributário. Melhor explicando: não há dúvida de que o lançamento constitui o crédito tributário, mas não necessariamente em sua constituição definitiva, podendo sofrer posteriormente o exame revisional das autoridades competentes que, se não for possível alterá-lo pode pelo menos evitar que suas inconsistências sejam mantidas. Além disso, o lançamento ainda está sujeito à impugnação do sujeito passivo, recurso que pode derrubá-lo em razão de falhas constatadas no ato ou no procedimento.
Não sendo o lançamento tributário objeto de qualquer ação revisional, ou passar incólume pelo transcurso do prazo administrativo de reclamações ou contestações, estaria ele, aparentemente, perfeito e apto ao recebimento do seu pagamento. Todavia, ainda existem duas etapas a enfrentar, para que possa o lançamento declarar-se fiel executor da legalidade: uma impugnação judicial que discutiria o seu mérito ou validade; e a inscrição do crédito em dívida ativa.
A impugnação judicial pode ocorrer ou não. Se ocorrer, aguarda-se o seu desfecho. Quem vai decidir sobre a legalidade do lançamento é a Justiça. Em relação à dívida ativa, apresentam-se duas situações fáticas: o contribuinte efetua o pagamento exatamente nos termos do lançamento, dentro do prazo previsto. Neste caso, nem se cogita a inscrição em dívida ativa, mas não podemos esquecer a possibilidade de pagamento indevido suscitada pelo pagador e pedido de repetição.
Já o ato administrativo de inscrever o débito em dívida ativa, aí, sim, ocorrerá uma verdadeira depuração do lançamento do crédito. Embora, pelo menos na maioria dos Municípios, a inscrição em dívida ativa é “automática”, isto é, operacionalizada no sistema informatizado de controle dos créditos tributários, cada inscrição deveria passar sob o crivo de avaliação, para que possíveis ilegalidades, deformidades ou, até mesmo, erros grotescos, não se materializassem no crédito tributário.
No rol de irregularidades é possível encontrar os chamados erros técnicos, do tipo, base de cálculo errada (em função do cálculo ou em função da lei), alíquota errada, sujeição passiva errada (contribuinte, responsável, solidário), fato gerador inexistente etc. E temos os chamados erros cadastrais, do tipo, lançamento sem indicar o sujeito passivo, endereço errado (já vimos lançamento do IPTU sem o endereço do imóvel!), cadastro desatualizado (vários exemplos: profissional autônomo que já pediu baixa e continua sendo cobrado do ISS; taxa de coleta de lixo domiciliar de rua que não tem o serviço; taxa “de alvará” de estabelecimento que já deu baixa, etc. etc.).
Por falta desse trabalho de depuração da qualidade e legalidade dos lançamentos tributários quando da inscrição em dívida ativa, tornou-se comum encontrar nas contas municipais, volumes substanciais registrados como recebíveis em dívida ativa, mas, muitos desses créditos se examinados devidamente são, na verdade, de validade discutível ou, simplesmente, créditos fantasiosos.
Sem considerar os municípios de grande porte e algumas honrosas exceções de municípios de médio e pequeno porte, a maioria dos entes políticos municipais nem tem um setor especializado em registrar e controlar a dívida ativa. Em geral, o procedimento é o seguinte: tributo não quitado no próprio exercício é ‘transferido’ para a conta de dívida ativa (Contabilidade) no mês de janeiro do exercício subsequente. Isso ocorre com os tributos de lançamentos de ofício (IPTU, Taxas anuais, ISS fixo), além dos autos de infração de penalidades originárias de tributos, que não foram pagos até 31 de dezembro do exercício do lançamento. O ISS de homologação e o ITBI são registrados em dívida ativa quando não quitados no vencimento. E isso somente ocorre quando o setor fiscal se lembra de despachar para a dívida ativa o processo administrativo decorrente do lançamento.
Bem verdade que, atualmente, sistemas modernos de informática ajudam nesse controle e procuram evitar possíveis esquecimentos dos servidores em despachar os processos. No entanto, não há sistema que substitua a visão técnica do servidor devidamente qualificado na análise dos lançamentos efetuados.
O Setor de Dívida Ativa tem três atribuições, mas, inicialmente, vamos comentar a atribuição de apurar a qualidade dos lançamentos. O art. 202 do CTN dispõe:
“Art. 202 O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:
I – o nome de devedor e, sendo o caso, o dos corresponsáveis bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;
II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;
III – a origem e a natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;
IV – a data em que foi inscrita;
V – sendo o caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito”.
Importante observar que os requisitos acima são obrigatórios para o termo de inscrição da dívida ativa, e não apenas para emissão da certidão, o que veremos mais adiante.
Como se vê, há, portanto, a necessidade da presença de uma “autoridade competente”, competente não só em função das atribuições do seu cargo, mas, também, que seja um servidor que conheça a matéria tributária. Como analisar a origem e a natureza do crédito, se é leigo na área tributária?
Exatamente por isso, discute-se quem deveria compor o Setor de Dívida Ativa, e a quem ele deveria se reportar. Hoje em dia, o caminho mais razoável é a instituição da chamada Procuradoria Fiscal, reportando diretamente ao Secretário Municipal da Fazenda (ou Finanças), e desvinculada da Procuradoria-Geral. Seria, assim, uma procuradoria especializada em tributos e respectiva cobrança, sem assumir a complexidade de assuntos a que se obriga a Procuradoria-Geral.
Outro aspecto interessante é a gradativa mudança de denominação desse Setor. Em vez de Dívida Ativa passa a ser Setor (ou Departamento) de Cobrança Administrativa. E quando a atividade estiver aos cuidados da Procuradoria Fiscal, dispensa-se o nome do setor (simplesmente Procuradoria Fiscal), ou, então, passa a ser Setor de Cobrança, pois a cobrança seria completa, administrativa e judicial.
De qualquer modo, a Dívida Ativa exige profissionais na composição de seu quadro, até mesmo para ter condições de discutir em igualdade de condições um lançamento tributário com um auditor da receita, aquele que efetuou o lançamento.
Outra atribuição do Setor de Dívida Ativa (ou a denominação que o valha) é a de exercer a cobrança administrativa dos inadimplentes. A cobrança segue uma rotina de forma evolutiva:
A – Notificação de cobrança automática ao devedor, logo que o débito for inscrito em Dívida Ativa, com todos os seus elementos examinados e aprovados;
B – Uma segunda notificação de cobrança, num prazo de mais ou menos sessenta dias da primeira notificação. Possível, também, a cobrança por telefone ou por e-mail, quando o cadastro possui tais informações e haja a previsão, por regulamento, dessa forma de atuação;
C – Enviar o nome do devedor ao Cadastro de Inadimplentes, do tipo Serasa. Decidiu assim o Superior Tribunal de Justiça: "É possível a inclusão de débitos de natureza tributária inscritos em dívida ativa nos cadastros de proteção ao crédito, independentemente de sua cobrança mediante Execução Fiscal" (RMS 31.859/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1/7/2010). No entanto, o Poder Executivo deve regulamentar a matéria e dispor sobre as condições exigidas para tal inclusão;
D – O protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa. Em nossa opinião, não há necessidade de lei municipal autorizativa do protesto, se o Código de Processo Civil (artigos 1.036 e seguintes) já prevê tal possibilidade. A nosso ver, trata-se de procedimento administrativo de responsabilidade exclusiva do Poder Executivo, não precisando, para o exercício dessas funções, da aprovação do Legislativo. Todavia, imprescindível a regulamentação do procedimento, via decreto. Tese Repetitiva n. 32 do Superior Tribunal de Justiça: “Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC, fica assim resolvida a controvérsia repetitiva: "A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997, com a redação dada pela Lei 12.767/2012".
E a última função da Dívida Ativa: a Execução judicial. Merece registro de que a Certidão da Dívida Ativa deve ser assinada por servidor competente da Procuradoria. O art. 204 do CTN estabelece que a CDA goza da presunção de certeza e liquidez e tem efeito de prova pré-constituída, esclarecendo o parágrafo único que tal presunção é relativa, podendo ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.
Um dos aspectos importantes da inscrição em dívida ativa é o fato de que esse crédito será considerado como receita do exercício em que for pago, e não do exercício em que ocorreu o fato gerador.
Para inscrever o débito em dívida ativa é indispensável observar a sua liquidez e certeza. Ou seja, verificar se o débito está de acordo com a legislação tributária e contém os requisitos necessários à sua inscrição, ou seja, a origem e natureza do crédito, o nome do devedor, a quantia certa devida, a data do vencimento etc.
A lei fala em inscrição em livros próprios, mas, atualmente, o lançamento é feito através do programa ou sistema informatizado utilizado no órgão público. Em termos contábeis, ao lançar em dívida ativa, o crédito está “saindo” dos créditos circulantes e “entrando” na conta Dívida Ativa. Isso, para efeito de Contabilidade.
Não há um critério único do momento em que se deve lançar em dívida ativa. O mais comum é o lançamento após o vencimento da data do pagamento. Muitos Municípios adotam esse critério, de forma automática, isto é, o sistema já efetua as inscrições em dívida ativa automaticamente, quando não há qualquer registro de parcelamento ou de recurso em andamento daquele débito. Outros Municípios costumam aguardar as tentativas iniciais de cobrança amigável, com prazo fixado de sucesso. Exemplo: 90 dias para cobrar amigavelmente. Não tendo êxito nesse prazo, faz-se a inscrição em dívida ativa.
Outros Municípios costumam inscrever em dívida ativa no mês de janeiro os débitos lançados e vencidos no exercício anterior. Em nossa opinião, o melhor critério é o encaminhamento para dívida ativa quando esgotado o prazo de pagamento e de recurso. Não há motivo técnico que impeça o registro em dívida ativa no mesmo exercício do lançamento, a lembrar de que quanto mais ágil e rápida a cobrança, melhor a possibilidade de sucesso.
Inscrever em dívida ativa não significa, necessariamente, emitir a Certidão de Dívida Ativa. É possível inscrever e somente emitir a certidão tempos depois. Evidente que é preciso tomar cuidado com os prazos de prescrição. Por isso, não convém demorar muito para emitir a CDA.
Quem apura e inscreve o débito em dívida ativa na União é a Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme estabelece o § 4º do art. 39 da Lei n. 4.320. Em diversos Estados e alguns Municípios, a competência também é da Procuradoria. No entanto, importante lembrar que tal fato ocorre quando existe a chamada Procuradoria Fiscal, que atua de forma independente da Procuradoria-Geral. A Procuradoria Fiscal, geralmente, reporta ao Secretário de Finanças (ou de Fazenda), e não ao Procurador-Geral. Desta forma, fácil entender a relação da Procuradoria Fiscal com os controles da Secretaria Fazendária, o que permite a inscrição da dívida ativa diretamente por essa Procuradoria Fiscal. Bom lembrar que a Procuradoria da Fazenda Nacional reporta ao Ministro da Fazenda, e não à Advocacia Geral da União.
Em resumo, um bom Setor de Dívida Ativa é aquele:
a) que possui quadro técnico competente e de formação técnica adequada ao cumprimento de suas funções. E que haja previsão legal do Município para promover gratificações ao quadro no alcance de metas de arrecadação. Um dinheirinho a mais é sempre bom como incentivo a um desempenho melhor;
b) que atue de forma independente e impessoal (se a norma vale para um, vale para todos), baseado em regras estabelecidas por decretos regulamentadores e na legislação federal de processo civil;
c) que possua sistemas informatizados capazes de acessar os cadastros fazendários e cruzar informações.
d) que possua quadro auxiliar de servidores, de boa formação, para atendimento dos contribuintes, por via direta ou indireta, e que seja bem treinado para saber exatamente o que deve dizer às pessoas atendidas, além, é claro, de saber ouvir as reclamações, as lamentações e os desaforos dos que estão sendo cobrados. E que o programa de gratificações os atenda também;
e) e, por fim, que possua espaço adequado e confortável para atender os contribuintes inadimplentes ou os seus representantes. Que tenha locais reservados para casos mais complexos, porque ninguém gosta de confessar os seus dissabores perante o público.