Roberto A. Tauil – Julho de 2020.
(publicado originalmente em outubro de 2015)
Pretendemos com este artigo comentar uma das vertentes da chamada Segurança Jurídica, direito fundamental dos cidadãos, que seria, no caso, o aspecto temporal da vigência das leis, aquele que orienta nossas obrigações em relação ao tempo, tanto passado, presente e futuro.
O aspecto temporal da vigência das leis tributárias abarca dois princípios fundamentais:
- o princípio da anterioridade, ou seja, impedir que a lei produza efeitos no ano de sua publicação;
- o princípio da irretroatividade, pois a lei não retroage, a não ser que venha a beneficiar o sujeito passivo.
São esses os princípios da não surpresa. Contudo, se seguirmos unicamente o cumprimento periódico dos exercícios fiscais, a surpresa de nova decisão legal permaneceria se levarmos em conta o curto lapso de um dia a distinguir um exercício de outro. Por evidência, uma lei aprovada em 31 de dezembro do exercício A, passaria a vigorar no dia seguinte, já no exercício B. Bastaria um dia para apanhar a todos desprevenidos.
Vai daí que a Emenda Constitucional n. 42/2003 incluiu nova limitação ao poder de tributar:
- “antes de decorrido noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.
A norma prevista na alínea b acima citada diz respeito à vedação de cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, mas a regra vem a estabelecer um prazo de pelo menos noventa dias para sua vigência, não importando se no correr desse prazo o exercício venceu e deu início a outro.
Há, porém, outro requisito importante. Embora a Constituição Federal não tenha incluído o princípio da anualidade no rol de princípios tributários, por se tratar, sem dúvida nenhuma, de um princípio essencialmente fiscal, este princípio ainda permanece com eficácia plena.
Estamos a dizer que as leis instituidoras de tributos, ou aquelas que majoram os seus valores, teriam que ser aprovadas antes da lei orçamentária do exercício seguinte, ou até mesmo do encaminhamento do projeto de lei ao poder legislativo. Pois, com toda a certeza, o projeto foi baseado na estimativa de receita já prevista nas leis vigentes. Ajuda-nos as sábias palavras de Aliomar Baleeiro: “A lei material, que decreta ou majora tributo (...) há de ser anterior ao Orçamento, pois não se autoriza nem se condiciona o que ainda não existe”. Ou, então, “a lei do tributo não pode ser alterada ou retificada, depois do Orçamento, para vigência no exercício a que este se refere”.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 165, § 2º, estabelece:
“§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (grifo nosso).
Por evidência, por respeito à norma constitucional, a LDO se obriga a dispor sobre as leis tributárias vigentes e suas respectivas alterações. Ora, como seria possível respeitar tal requisito se a lei tributária foi aprovada após o encaminhamento do projeto da LDO ao poder legislativo?
A ilustre tributarista Misabel Derzi conclui: “Persiste atuante, na Constituição de 1988, o princípio da anualidade tributária, como expressão de 1) marco temporal imposto, expressamente, ao legislador financeiro na fixação do exercício; (...)”.
Reitera tal afirmativa o mestre Roque Antonio Carrazza: “Já o princípio da anualidade subordina a cobrança do tributo à prévia autorização orçamentária. Destarte, com ele, a lei tributária material deve ser anterior à lei orçamentária. Não basta que tenha entrado em vigor no exercício anterior ao da ocorrência do fato imponível tributário. É preciso mais, ou seja, que a ela suceda a lei de meios”.
Sendo assim, ainda teríamos mais um princípio a ser respeitado:
- o princípio da anualidade fiscal, ou seja, respeitar a lei orçamentária aprovada para ser executada em determinado exercício;
A dizer, portanto, que, mesmo que uma lei seja aprovada após o prazo de 90 dias, os seus efeitos só seriam aplicados no exercício seguinte se tal previsão constasse da lei orçamentária do exercício sucedâneo. Em termos práticos, se uma lei for aprovada 60 dias antes do final do exercício, ela só entrará em vigor em fevereiro do exercício seguinte se houver previsão na lei orçamentária.
Outro aspecto de grande importância. Deve-se observar o marco temporal da hipótese de incidência do tributo instituído ou que sofreu majoração. A decisão abaixo, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é esclarecedora. O fato gerador da Taxa de Coleta de Lixo ocorre a cada ano no dia 1º de janeiro. O Município aprovou a lei em 30 de dezembro do ano anterior. Desta forma, não completou o prazo nonagesimal em relação à data do fato gerador, sendo, então, seus efeitos postergados para o exercício mais adiante.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. TAXA DE LIXO. NOVENTENA. Em sendo nova exigência de tributo, necessário respeitar o prazo constitucional de noventa dias previsto na CF (art. 150, III, c). Havendo nova lei publicada em 30/12/2008, e sendo o fato gerador da taxa de coleta de lixo anual, lançada em 1º de janeiro de cada ano, é inexigível o tributo relativo ao exercício fiscal de 2009. Sucumbência redimensionada. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70053989075, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 11/12/2013).
Os legisladores municipais precisam precaver-se contra esses dois empecilhos: a) obediência à lei orçamentária; e b) observar a data fixada na lei municipal como a do fato gerador do tributo. Não dizer, assim, que ao desrespeitar a noventena poderá o Município adiar a nova incidência durante o decurso do próximo exercício, passando a cobrar em fevereiro, março ou abril. Deve examinar se a LDO fez constar a previsão instituída na nova lei, e observar a data do fato gerador do tributo instituído ou majorado.
Para concluir, algo que às vezes passa despercebido. O § 1º do art. 150 da Constituição Federal estabelece como exceção ao prazo nonagesimal, entre outros, a fixação da base de cálculo do IPTU e do IPVA. Esta vedação tem por fim permitir aos Municípios (no caso do IPTU) e aos Estados (no caso do IPVA) de atualizarem monetariamente a base de cálculo de tais tributos. Como se sabe, a atualização monetária decorrente da inflação ocorrida no exercício só seria mais condizente à realidade se for feita ao fim do período. Vem daí a permissão de alterar a base de cálculo, mas de forma alguma aumentar alíquotas e alterar valores e índices formadores da planta de valores genéricos por razões de valorização econômica dos imóveis, e não decorrentes do simples ajuste inflacionário.