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Fiscalização Municipal

“Serviços” de frigorífico – ISS ou IPI?

Roberto A. Tauil – Julho de 2016.

Recebi mensagem de um caro leitor e o assunto reviveu em minha memória. Sabia que já havia escrito algo sobre a matéria e, então, fui vasculhar os arquivos de “Meus Documentos” até encontrar o bendito artigo. Afinal, serviços de frigorífico por encomenda geram ISS ou IPI?

A pergunta do leitor girava, portanto, em torno de atividades de frigorífico. Disse ele que o contratante entrega bovinos ao frigorífico e este faz o abate para depois produzir produtos originários da carcaça do coitado do boi. Produz artigos de alimentação e para fins industriais. Devolve ao contratante esses produtos e este os comercializa posteriormente.

Esse ‘serviço’ prestado pelo frigorífico sofre incidência do ISS ou do IPI?

Pode parecer extremamente simples a resposta que darei, mas sempre que me vem tais perguntas minha primeira iniciativa é correr à lista de serviços do ISS. Se lá constar a atividade, temos o ISS. Se não constar, o assunto merece outras investigações, como a de verificar se cabe a interpretação extensiva para serviços congêneres. Pois essa vem sendo a posição da nossa ‘jurisprudência superior’, ou de pelo menos parte dela; já a doutrina dos mestres tece várias outras questões, algumas mais sociológicas do que tributárias. E o Fisco, em tais momentos, não quer saber de filosofia, não quer saber de interpretação pelo método sociológico, teleológico, lógico ou sistemático. Ele quer saber somente se pode cobrar o imposto! Em tudo que os nossos doutos doutrinadores mexem, vira uma caixa de Pandora ou casa de marimbondo. Com todo o respeito.

Por evidência, “serviços de frigorífico” não constam da lista, assim, de forma tão explícita (olha o advogado aí!). Temos, porém, o famoso item 14 – “Serviços relativos a bens de terceiros”. Será que esses ‘serviços’ prestados pelo frigorífico poderiam ser enquadrados nesse tal item 14?

Vamos ver. O item 14 trata de serviços prestados em bens de terceiros. Consertar um carro, retificar uma máquina, encadernar um livro, estofar um sofá, recondicionar um motor, enfim, são serviços aplicados no bem material que foi entregue pelo tomador ou adquirente do serviço. Por certo, ele, o tomador, quer o seu produto entregue de volta, mas com as melhorias prometidas pelo prestador.

Em outras palavras, o bem entregue pelo tomador lhe é devolvido com certos acréscimos ou melhorias. E sendo assim, esses bens só podem ser infungíveis, ou seja, o dono do bem quer que ele lhe seja devolvido nas condições contratadas. Se fosse um bem fungível, não teria nunca a certeza de que o bem entregue ao prestador seria o mesmo que lhe foi devolvido. Se eu quero a minha geladeira com nova pintura, vou querer a devolução da mesma geladeira, mas agora pintada. Não me venha o pintor a restituir-me outra geladeira! Vem daí que o preço do serviço se refere apenas à pintura, e não ao preço da geladeira, que já me pertencia.

Uma exceção no item 14 que me intriga são os serviços de alfaiataria. De um tecido faz-se uma roupa. Temos aí uma transformação na natureza do bem entregue ao alfaiate. Entende-se que o legislador quis apartar da indústria de confecção aquelas em que o usuário final entrega o tecido para ser confeccionado. No caso, seria serviço personalíssimo, no qual sobreleva a obrigação de fazer em relação à obrigação de dar. Razoável essa regra, mas serviço de alfaiataria e costureira deveria estar num item independente da lista, e não arrolado no item 14, com o qual não mantém qualquer afinidade.  

E assim, com a exceção (compreensível) dos serviços de alfaiataria e de costura (quando o bem devolvido não é mais o original que foi entregue ao prestador), todos os demais retornam ao seu dono, não importa se consertados, melhorados, beneficiados, instalados, lavados, recauchutados, emoldurados etc. Este é o sentido do item 14. Por isso, quando o bem é encaminhado ao prestador segue junto uma simples nota fiscal de trânsito ou de simples remessa (quando necessária).

Pois bem. O IPI (Imposto sobre produtos industrializados) é um imposto de regras próprias, nada tendo a ver com o ICMS, por exemplo. Uma das diferenças é que o IPI não trata de mercadoria, trata de produto. Deste modo, pouco importa o seu destino, se para o comércio, para consumo direto ou para outra industrialização.

Outro aspecto de grande importância é o significado de industrialização. Em termos econômicos, indústria significa a conjugação do trabalho e do capital para transformar a matéria-prima em bens de produção e consumo (Dicionário Aurélio). Ou, então, “conjunto de atividades econômicas que produzem bens materiais pela transformação e pelo aproveitamento de matérias-primas” (Larousse).

Nas duas definições acima, temos a palavra mágica: transformação. O verbo transformar significa dar nova forma, tornar diferente do que era. Transformação é o ato ou efeito de transformar-se, mudança de forma.

E o item 14 não trata de transformação. Esse item trata de inúmeras atividades, mas nunca de transformação. Levo uma mesa para ser polida; a mesa retorna polida = ISS. Levo uma carga de pedaços de madeira, pregos e parafusos para ser feita uma mesa; em vez de madeira, pregos e parafusos retorna uma mesa = IPI. Levo uma ferramenta para ser recondicionada; a ferramenta retorna recondicionada = ISS. Levo o desenho e o metal para ser feita uma ferramenta com aquele metal e conforme o desenho; retorna a ferramenta = IPI.

E no assunto ora comentado, o boi não me retorna. Em vez dele, voltam produtos. E boi é um bem fungível ou infungível? Bem, um amigo tem uma vaquinha no seu sítio considerada infungível. Não troca aquela vaquinha, que já faz parte da família, por nada neste mundo. Porém, se o gado é levado para abate, este gado já seria um bem fungível. Apesar dos cálculos de peso e volume, as arrobas que compõem a boiada, ninguém conseguirá provar que os produtos produzidos são, realmente, originários do gado entregue pelo dono.

A concluir, pois, que frigorífico industrial, que não é um simples matadouro, que transforma os animais abatidos em produtos, tais como carne crua fatiada, ou temperada, congelada ou semicongelada, fardos de couro semipreparado ou curtido, tudo isso é resultado de uma industrialização, de uma transformação. Incide IPI e não ISS.

Depois deste artigo, acho que vou ficar um mês sem comer carne.