Roberto A. Tauil - Junho de 2020
(publicado originalmente em outubro de 2009).
As instituições financeiras prestam serviços e esses são tributados pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. Há, porém, duas grandes dificuldades para fiscalizar e apurar o devido valor tributável dessas instituições: a) não emitem nota fiscal de serviços; e b) somente uma parcela da receita sofre incidência do imposto municipal.
Poderíamos adicionar mais uma dificuldade: os Municípios só podem cobrar o ISS decorrente dos serviços prestados nos estabelecimentos locais, ou seja, nas agências localizadas em seus respectivos territórios. A instituição financeira precisa, assim, manter controles separados por agência.
A Lei Complementar nº. 116/03, da mesma forma que as leis anteriores, faz referência às instituições financeiras como contribuintes do ISS. O item 15 da lista anexa à referida Lei cita, por exemplo, “serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro, inclusive aqueles prestados por instituições financeiras autorizadas a funcionar pela União ou por quem de direito”. Não dizer com isso que os serviços das instituições financeiras são tributados tendo por base, exclusivamente, os descritos no item 15 da lista. Essas empresas prestam, também, serviços tributáveis inseridos em outros itens, como o item 10 (serviços de intermediação e congêneres) e o item 17 (serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres).
Outro ponto a observar é que não são apenas os Bancos Comerciais os obrigados ao pagamento do imposto, mas, sim, todas as instituições financeiras que prestam serviços indicados na lista. O conceito legal de instituição financeira é dado pela Lei nº. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, nos seguintes termos:
"Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.
De acordo com a referida Lei nº. 4.591/64 são consideradas instituições financeiras do sistema operativo ou de intermediação:
1) Captadoras de depósitos à vista:
- Bancos comerciais;
- Bancos múltiplos com carteira comercial;
- Caixa Econômica Federal;
- Caixas econômicas estaduais;
- Cooperativas de crédito.
Não captadoras de depósitos à vista:
- Bancos múltiplos sem carteira comercial;
- Bancos de investimento e de desenvolvimento;
- Sociedades de crédito, financiamento e investimento (as “financeiras”);
- Sociedades de crédito imobiliário;
- Companhias hipotecárias;
- Associações de poupança e empréstimo;
- Sociedades corretoras ou distribuidoras de títulos e valores mobiliários;
- Sociedades de arrendamento mercantil (leasing);
- Sociedades corretoras de câmbio;
- Bolsas de valores.
Das empresas citadas, vamos destacar os Bancos Múltiplos. De acordo com a Lei nº. 4.595/64, e posteriores alterações, os Bancos Múltiplos são instituições que agrupam numa única instituição financeira, com personalidade jurídica própria, as operações privativas de banco comercial (se possuir carteira comercial), de banco de investimento, de sociedade de crédito, financiamento e investimento, de sociedade de arrendamento mercantil e sociedade de crédito imobiliário.
Compõem-se dessa forma:
- Banco comercial (carteira base);
- Banco de investimento (carteira base);
- Banco de desenvolvimento (somente banco múltiplo governamental);
- crédito imobiliário (carteira acessória);
- arrendamento mercantil (carteira acessória);
- crédito, financiamento e investimento (carteira acessória).
Tais operações estão sujeitas às mesmas normas legais e regulamentares aplicáveis às instituições singulares correspondentes às suas carteiras. O Banco Múltiplo pode ter, no mínimo, apenas duas carteiras, mas uma delas, obrigatoriamente, tem que ser de carteira base: banco comercial (quando captador de depósitos à vista); ou de investimento (quando não captador de depósitos à vista). O número atual de Bancos Múltiplos é elevado. Segundo o Banco Central, em outubro de 2008, eram 400 instituições financeiras formalizadas em Banco Múltiplo, sendo 109 com carteira de banco comercial. Todos os grandes grupos financeiros são, praticamente, constituídos em bancos múltiplos.
Para efeitos de incidência do ISS, de importância relevante é o fato de que os Bancos Múltiplos podem manter quadro funcional nos Municípios onde tenham agências, o que permite o exercício das atividades de todas as carteiras que lhes compõem, tanto no próprio estabelecimento da agência, quanto externamente, estas nos estabelecimentos comerciais locais. Deste modo, caracteriza-se perfeitamente a presença de estabelecimento prestador de serviços nos Municípios onde exista agência bancária do grupo financeiro a que pertence o banco múltiplo. Assim, se o banco múltiplo possuir carteira acessória de “financeira”, de crédito imobiliário e de arrendamento mercantil, por evidência, os serviços prestados por conta de tais operações devem ser tributados no Município onde se localiza a agência correspondente.
A dizer, portanto, que a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ de que o local de incidência do ISS de leasing é na sede da instituição, onde a operação se perfectabiliza, data vênia, é tanto equivocada, pois o cadastro e o risco de crédito são analisados e aprovados na própria agência do banco múltiplo. Ou seja, a operação se perfectabiliza no Município da própria agência que negociou a operação.
De qualquer modo, a fiscalização municipal do ISS concentra-se, em geral, somente nos serviços dos bancos comerciais, deixando de lado os serviços prestados por bancos múltiplos. Mas, as “financeiras”, as sociedades de crédito imobiliário e as empresas de leasing auferem, também, substanciais receitas de serviços, como veremos mais adiante.
Os estabelecimentos bancários
Quando falamos em “agência bancária” é preciso defini-la. As dependências de instituições financeiras são assim classificadas, ao que nos interessa:
I – Agência;
II – Posto de Atendimento Bancário – PAB;
III – Posto de Atendimento Transitório – PAT;
IV – Posto de Atendimento Bancário Eletrônico – PAE.
Agência
Agência é a dependência da instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central, destinada à prática das atividades que esteja habilitada a exercer. Isso significa que uma agência de banco comercial somente poderia atuar em atividades de banco comercial, ou seja, não poderia efetuar operações de “financeiras”, de leasing, de crédito imobiliário etc. Tendo, porém, um banco múltiplo por detrás, dando-lhe cobertura, a agência expande suas atividades, podendo, então, operar produtos de outras instituições do grupo.
As instituições financeiras são obrigadas a manter escrituração e contabilidade de cada agência. Todavia, o Banco Central permite a centralização da contabilidade das agências que estiverem localizadas no mesmo Município, sendo uma delas designada como ‘centralizadora’ em termos contábeis.
Permite-se às instituições financeiras manter uma Unidade Administrativa Desmembrada – UAD, destinada a executar atividades contábeis e administrativas de natureza interna, desde que tal unidade esteja instalada no mesmo Município da sede do grupo financeiro, ou de uma agência da instituição. Essa permissão é aproveitada pela esmagadora maioria de instituições financeiras, centralizando a contabilidade em só local. Isso, porém, não significa que as empresas não estejam obrigadas a contabilizar separadamente a movimentação de cada agência. Facilita-se, apenas, o local para concentrar as atividades contábeis, mas permanece a obrigação de manter a contabilização individual por agência.
Na verdade, as agências nada contabilizam hoje em dia, tudo é feito via on-line. Quem apropria e efetua os lançamentos são as unidades administrativas desmembradas, pois já foi o tempo da existência do “Contador” da agência, muito comum no passado. Essa é mais uma das dificuldades da fiscalização, porque o agente fiscal não tem com quem discutir uma questão tributária na agência. Os gerentes de agências estão focados nos produtos e no cumprimento de metas operacionais ou administrativas, e, em geral, pouco entende de assuntos contábeis ou tributários. Todos os questionamentos são enviados para o departamento contábil, localizado em outra cidade.
No entanto, a obrigatoriedade de separar os resultados contábeis por agência não é somente dos bancos comerciais, mas de todas as instituições financeiras, o que significa que os bancos múltiplos são, também, obrigados a apresentarem os seus balancetes desmembrados. A legislação é clara ao afirmar que as operações realizadas por banco múltiplo estão sujeitas às mesmas normas legais e regulamentares aplicáveis às instituições singulares correspondentes às suas carteiras. Deveriam, portanto, destacar por agência os serviços prestados e recolher o ISS devido nos Municípios onde tais serviços foram executados. Ocorre, porém, que o banco múltiplo é coligado a outras instituições de atividades específicas, como Banco de Investimento, Financeiras, Seguros, Leasing, Administradoras de Carteiras de Investimento etc.
Dessa forma, o máximo que às vezes o Fisco local consegue é o ISS das comissões auferidas pela agência local nas intermediações desses negócios, porque o negócio em si é lançado na outra instituição. Explicando melhor: a agência local fecha uma operação de leasing com um cliente da própria agência. A agência ganha uma comissão, que é lançada na sua contabilidade, mas a operação de leasing é faturada na empresa de arrendamento mercantil do grupo financeiro, não gerando, assim, o imposto no Município da agência.
Ainda em relação às agências, há, também, as chamadas “Agências Pioneiras”, quando instaladas em Municípios desassistidos de outra agência de banco múltiplo ou de banco comercial. Essas agências pioneiras podem ter horário de atendimento ao público diferente do horário das demais, desde que fixado de comum acordo com as autoridades municipais (aspecto importante para liberação do alvará de funcionamento). A contabilidade do movimento de uma agência pioneira pode ficar a cargo da sede ou de outra agência, não significando isso que o banco não tenha a obrigação de apresentar os seus números separadamente, para efeito de fiscalização.
Posto de Atendimento Bancário – PAB
O PAB é uma dependência permitida a funcionar para banco múltiplo (com carteira comercial), banco comercial e caixa econômica, com as seguintes características:
I – somente pode ser instalado em recinto interno de entidades da administração pública ou de empresas privadas;
II – destina-se a prestar todos os serviços, para os quais a instituição esteja habilitada, somente para a entidade, ou empresa, e seus funcionários, de onde estiver instalado;
III – Subordina-se à sede ou a uma agência instalada no mesmo Município;
IV – A sua contabilidade deve ser incorporada diariamente ao movimento da sede ou da agência do seu próprio Município, conforme a subordinação citada no inciso anterior;
V – Pode ter horário de atendimento diferente ao da sede ou da agência, de acordo com as conveniências do órgão público ou da empresa que o acolhe.
Percebe-se que a fiscalização local deve tomar o cuidado de consultar a instituição sobre o local da contabilização do movimento do PAB. Se a contabilidade for feita na agência local, as operações serão incorporadas para análise, mas se for executada na sede, ou em agência de outro Município, a fiscalização deve intimar a instituição financeira para que apresente os seus resultados. Não importa onde a contabilidade do PAB é feita. A Fiscalização do Município onde o Posto se localiza deve receber os seus dados para análise, pois o ISS pertence a este Município. E não tem o agente fiscal que viajar até a cidade onde a contabilidade é feita. Todas as intimações e notificações são dirigidas ao PAB, aos cuidados do seu responsável.
Posto de Atendimento Transitório – PAT
O PAT é a dependência de banco múltiplo, banco comercial, caixa econômica e demais instituições financeiras, com as seguintes características:
I – somente pode ser instalado em locais tipos: - recintos de feiras, exposições, congressos e outros eventos semelhantes; - de grande fluxo temporário de público.
II – destina-se a prestar os serviços permitidos à instituição;
III – não pode funcionar por mais de 90 dias;
IV – pode ter horário diferenciado de atendimento ao público;
V – subordina-se à sede ou a uma agência da instituição;
VI – o seu movimento deve ser contabilizado pela sede ou agência a que estiver subordinado;
VII – pode ser fixo ou móvel.
Como se vê, a mesma preocupação sobre o local da contabilização deve ser aplicada aos casos de PAT. O seu funcionamento deve ser condicionado ao pedido prévio e liberação da licença ou alvará transitório ou provisório de funcionamento pela Prefeitura, de acordo com a legislação local.
Posto de Atendimento Bancário Eletrônico – PAE
O PAE é a dependência automatizada de banco múltiplo, banco comercial e caixa econômica, com as seguintes características:
I – destina-se a prestar diversos serviços, tais como, saques, depósitos, pagamentos, saldo e extrato de contas, transferências etc.;
II – o atendimento ao cliente é efetuado por meio de transação acionada por meio de senha privativa;
III – pode ser fixo ou móvel;
IV – deve estar vinculado a uma rede individual pertencente a uma instituição financeira, ou sua subsidiária, ou associada a mais de uma instituição financeira;
V - Não está sujeito ao horário fixado para o funcionamento das instituições financeiras;
VI - As redes devem manter centrais de controle e processamento que permitam o acompanhamento diário de cada posto, bem como a interrupção de suas operações quando necessário.
VII – somente pode ser instalado no Município em que a instituição tenha sede ou agência.
A fiscalização municipal deve requerer às instituições financeiras a relação de todos os PAE que funcionam no Município e informar onde a contabilização de suas operações é realizada. Esses postos de atendimento eletrônico devem ser licenciados e autorizados a funcionar pela Prefeitura, merecendo uma inscrição especial no cadastro mobiliário, exceto quando localizado no mesmo imóvel utilizado por uma agência bancária. Os serviços prestados no PAE são tributados e o ISS pertence ao Município onde o posto se localiza.
Correspondente bancário
Não podemos deixar de comentar os chamados “correspondentes bancários”. A Resolução nº. 2.707 do Banco Central permitiu a utilização de correspondentes bancários para distribuição de produtos e serviços. A referida Resolução faculta aos bancos múltiplos, bancos comerciais e caixas econômicas a contratação de empresas para o desempenho de diversas atividades bancárias. São exemplos de correspondentes bancários as casas lotéricas e a Empresa de Correio e Telégrafo, além das empresas especializadas em captação de clientes para empréstimo, comumente denominadas de promotoras de vendas ou negócios.
Essas empresas são somente prestadoras de serviços para as instituições financeiras que as contrataram, percebendo comissões pelo trabalho executado. O ISS relativo a essas comissões são tributáveis no Município onde se localiza o correspondente, de acordo com a regra do estabelecimento prestador.
Procedimentos de Fiscalização
Já se observa pelo exposto que o fisco municipal deve antecipar-se ao efetivo trabalho de fiscalização com uma série de consultas dirigidas às instituições financeiras.
São perguntas básicas:
- a natureza da agência local (se comum ou pioneira);
- a quem se subordina a agência local (banco múltiplo ou banco comercial);
- as operações permitidas na agência (somente de banco comercial ou de banco múltiplo);
- identificar a existência de postos de atendimento bancário no Município;
- informar se já existiu ou ainda possui postos de atendimento transitório no Município;
- informar o número e a localização de todos os postos de atendimento eletrônico no Município;
- informar se existe e quais são os correspondentes bancários que operam no Município;
- o local onde é realizada a escrituração de todos os estabelecimentos localizados no Município.
Tais informações serão respondidas por funcionários da sede da instituição financeira, porque, certamente, o gerente responsável da agência local não saberá respondê-las, ou não vai considerar sua tal obrigação. São informações importantes para o fisco visualizar a abrangência do cenário de serviços tributáveis que deverá fiscalizar, antes mesmo de iniciar propriamente a ação fiscal.
Além de saber se a agência local é de banco múltiplo ou banco comercial, recomenda-se, também, perguntar se aquele estabelecimento atua com carteira de câmbio conforme aprovação do Banco Central.
O segundo passo é trabalhar nos resultados mensais, de acordo com a escrituração efetuada. E a partir daí, é preciso discutir o sistema contábil utilizado nas instituições financeiras.
O COSIF
A escrituração contábil das instituições financeiras está sujeita às regras padronizadas estabelecidas pelo Banco Central, por meio do chamado Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional – COSIF. O objetivo do COSIF é de uniformizar os registros contábeis dos atos e fatos administrativos e racionalizar a utilização de contas, a fim de possibilitar o acompanhamento, análise e avaliação do desempenho das instituições financeiras.
Exige-se, portanto, que demonstre com fidedignidade a sua real situação, o que é fiscalizado pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, mas a competência de expedir normas gerais sobre o COSIF pertence ao Banco Central, por delegação do CMN. O COSIF é de uso obrigatório por todas as instituições financeiras e a sua estrutura compreende três capítulos:
Capítulo 1 – Normas Básicas: estabelecem os procedimentos contábeis específicos que devem ser observados, além de definir o conteúdo dos grupos e subgrupos do balanço patrimonial;
Capítulo 2 – Elenco de Contas: apresenta o elenco de contas de uso obrigatório, indicando a função e o funcionamento de cada conta;
Capítulo 3 – Documentos: são exibidos modelos de documentos contábeis que deverão ser elaborados e remetidos ao Banco Central, ou publicados.
Normas Básicas
Além de obedecer aos princípios gerais de contabilidade, as instituições financeiras são obrigadas:
a) a adotar métodos e critérios uniformes no tempo;
b) registrar as receitas e despesas no período em que ocorrem, ou seja, aplicar o regime de competência em seus lançamentos;
c) fazer apropriação mensal das rendas, inclusive juros, receitas, despesas, lucros e prejuízos, independentemente da apuração de resultado a cada seis meses;
d) apurar os resultados em períodos fixos de tempo, observando os períodos de 1º de janeiro a 30 de junho e 1º de julho a 31 de dezembro;
e) proceder às conciliações contábeis com os respectivos controles analíticos e mantê-las atualizadas.
Uma norma importante é que a forma de classificação contábil não altera as suas características para efeitos fiscais e tributários, que se regem por regulamentação própria. Em outras palavras, não será pelo fato de o COSIF determinar o lançamento de certa operação em determinada conta que irá caracterizar os seus efeitos fiscais ou tributários.
O fornecimento de informações inexatas, ou o atraso de escrituração ou conciliações contábeis por período superior a 15 dias, sujeitará a instituição e seus administradores às penalidades impostas em lei.
(em vista do tamanho deste artigo, resolvemos publicá-lo em duas partes. A segunda parte será publicada no dia 6 de julho próximo).