Em meio a tanta coisa boa apresentada no Seminário de Direito Tributário Municipal, realizado em Teresina, tivemos o privilégio de ouvir a palestra proferida pelo Professor Gilberto Ferreira sob o tema “Crimes contra a Ordem Tributária – Tipificação e Representação”. Foi magistral a apresentação do Professor Ferreira, com o seu profundo conhecimento e sua voz ressonante e clara, acostumado que está nas lides penais forenses e na cátedra universitária.
Mas, o assunto que eu queria abordar é a posição do Fisco, ou mais propriamente, do Agente Fiscal quando se depara com um crime contra a ordem tributária. Vale lembrar que a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, define como crime as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
E, mais ainda, constitui crime:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Deixo aqui a ressalva de que a punibilidade do crime estará extinta com o pagamento do débito, ou o seu parcelamento.
O Agente Fiscal em diversas ocasiões se vê diante da prática do crime tributário, não esquecendo que o mero ato de deixar de pagar tributo não se enquadra como crime, exceto nos casos de retenções efetuadas e não recolhidas aos cofres públicos. Porém, usar dos meios acima descritos para não pagar, ou pagar valor menor do que o realmente devido, aí, então, constitui-se crime. Outro aspecto a considerar é que a chamada elisão fiscal, ou ‘planejamento fiscal’ configura-se como técnica lícita de economia de tributos. Não é crime quando o contribuinte se aproveita de uma interpretação da norma que lhe beneficia, ou quando decisões da Justiça lhe favorece (por exemplo, a decisão do ISS de leasing ou a dedução dos materiais da base de cálculo do ISS das empreitadas globais). Mas, não vamos confundir elisão com evasão. Simular um contrato de prestação de serviço como se fosse locação de bens, isto, sim, é crime. Como diz o Professor Heleno Torres, em sua magnífica obra “Direito Tributário e Direito Privado”, o Fisco deve verificar se os negócios jurídicos efetivamente constituídos são válidos e regulares, com adequada correspondência entre a forma e conteúdo. Contudo, tal análise exige do contribuinte a ampla abertura dos seus registros, não podendo se furtar na entrega de documentos e livros contábeis. Tal recusa é crime, conforme prevê o inciso I do art. 1º da supracitada Lei n. 8.137.
Qualquer recusa ou protelação de entregar documentos sem justificativa concreta dá ao Agente Fiscal o direito (e dever) de autuar o contribuinte por cerceamento do direito de fiscalizar. Este auto de infração poderá servir em futuro como prova material do crime, pois a sua falta impede ao servidor concluir se houve evasão ou um ato legítimo a validar a economia de tributos. Como se costuma dizer, ‘quem não deve, não teme’. Pois, então, que apresente ao Agente tudo que este requerer.
Aspecto importante, mas complicado é chegar à conclusão se estamos diante de um erro não proposital, ou de uma simulação. Entende-se a evasão aquela ação decorrente da conduta voluntária do contribuinte no sentido de descumprir sua obrigação tributária. Caso não haja provas que possam demonstrar o interesse deliberado em fraudar, aceita-se o erro como não intencional, não impondo ao fato a capitulação de crime tributário. O Agente Fiscal deve sempre levar em consideração que a nossa legislação tributária (inclusive as municipais) é confusa em muitos aspectos e realmente complexa. Assim, pagar em alíquota errada, não aplicar corretamente a base de cálculo, escapar uma retenção obrigatória, definir equivocadamente o sujeito ativo, são erros possíveis de ocorrer sem caracterizar, por isso, má fé do contribuinte.
Constatada a fraude, compete ao Agente Fiscal denunciar o fato? Apurada a evasão de tributo, cabe ao Agente Fiscal autuar o infrator, oferecendo-lhe prazo para defesa. Dispensando o seu direito de defesa, pagando o devido ou parcelando o débito, o procedimento fiscal está encerrado na seara do Agente Fiscal. Promovida a impugnação pelo sujeito passivo, a matéria passa a ser de competência das instâncias administrativas. Indeferida a impugnação e efetuado o pagamento ou parcelado o débito, encerra-se a lide na área administrativa.
Entretanto, se não houver pagamento ou parcelamento do débito, o crime deverá ser noticiado pela autoridade administrativa. Quem deve noticiar e a quem? Entendemos que o fato deva ser encaminhado internamente à Procuradoria-Geral do Município para que esta examine o teor do procedimento, constate a substancialidade das provas e oficie ao Ministério Público. Somos de opinião que o Agente Fiscal deva reportar o fato ao seu superior, e este, após analisar os fatos, faça o encaminhamento à Procuradoria-Geral.
Para terminar, é preciso não esquecer que o ônus da prova, em tais situações, é do Fisco. O dever de provar caberá sempre a quem alegue o fato contra outrem, não se atendo a meras presunções. Compete, assim, ao Agente Fiscal buscar as provas que podem ser diretas ou indiretas, conforme o grau de relação que exista entre o fato a ser provado e o objeto da prova.
Roberto A. Tauil
Novembro de 2014.