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Tributos Municipais

IPI ou ISS: Industrialização ou Serviço?

Roberto A. Tauil - Junho de 2020.

A lista de serviços da Lei Complementar nº 116/03 apresenta várias atividades que se confundem com aquelas que sofrem incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. São situações difíceis de definir, se a atividade está delineada basicamente como uma circulação de bens imateriais (serviço), ou estamos tratando pura e simplesmente de industrialização de produtos, ou, então, se seria possível ocorrer a hipótese de incidência tributária de dois tributos simultâneos sobre um único negócio ou uma só operação econômica capaz de sofrer tal desdobramento.

Um exemplo que foi palco de enormes discussões acadêmicas: um estaleiro naval é contratado para fabricar (construir, montar) uma plataforma marítima de exploração de petróleo ou gás. Seria - neste caso - um contrato de empreitada?

A lembrar: “Na empreitada uma das partes obriga-se a executar, por si só, ou com o auxílio de outros, determinada obra, e a outra, a pagar certo preço, a título de remuneração (...). A palavra obra possui sentido amplo, que precisa ser definido para que se aclare o conceito de empreitada. Significa todo resultado a se obter pela atividade ou pelo trabalho, como a produção ou modificação de coisas (...)” (Orlando Gomes, “Contratos”, Forense).

Estamos, então, diante de uma obrigação de fazer pelo estaleiro?

A lembrar: “Não se expressa o significado de ‘fazer’ em apenas um mero realizar, ou na singela confecção de uma obra. Mais apropriadamente, o devedor está incumbido de ‘prestar’ um fato, o que envolve o ‘fazer’ e o ‘dar’. Ao se fazer, embutem-se coisas, que são entregues transformadas ou trabalhadas. No contrato de construção, além das atividades físicas, há a inclusão de materiais ou bens” (Arnaldo Rizzardo, “Direito das Obrigações”, Forense).

Pois então, se estamos diante de um contrato de empreitada (obrigação de fazer) o estaleiro deveria pagar ISS pelo serviço prestado?

Vamos analisar essas questões, iniciando com a análise da legislação do Imposto sobre produtos industrializados. Para efeitos de incidência do IPI, a industrialização é caracterizada por qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, conforme redação do art. 4º do Regulamento do IPI - RIPI, Decreto nº 2.637, de 25.06.1998.

As operações submetidas ao IPI são assim definidas:

Operações de transformação: a que, exercida sobre matéria-prima ou produto intermediário, importe na obtenção de espécie nova;

Operações de beneficiamento: a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto;

Operações de montagem: a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma;

Operações de acondicionamento ou recondicionamento: a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação do produto, pela colocação de embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria;

Operações de renovação ou recondicionamento: a que, exercida sobre o produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização.

Não são consideradas operações sujeitas ao IPI:

I - o preparo de produtos alimentares não acondicionados em embalagem de apresentação: 1) na residência do preparador, no restaurante, bar e similares; 2) em cozinhas industriais, para consumo de funcionários desses estabelecimentos.

II - o preparo de refrigerantes, à base de extrato concentrado, em restaurantes, bares e similar.

III - a confecção ou preparo de produto de artesanato.

IV - a confecção de vestuário, por encomenda direta do consumidor ou usuário, desde que seja preponderante o trabalho profissional.

V - o preparo de produto, por encomenda direta do consumidor ou usuário, desde que seja preponderante o trabalho profissional.

VI - a manipulação em farmácias, para venda direta ao consumidor, de medicamentos.

VII - a moagem de café torrado, realizada por comerciante varejista com atividade acessória de moagem.

VIII - a operação efetuada fora do estabelecimento industrial, consistente na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte:

a) edificação (casas, edifícios, pontes, hangares, galpões e semelhantes, e suas coberturas);

b) instalação de oleodutos, usinas hidrelétricas, torres de refrigeração, estações e centrais telefônicas ou outros sistemas de telecomunicações e telefonia, estações, usinas e redes de distribuição de energia elétrica e semelhantes;

c) fixação de unidades ou complexos industriais ao solo.

IX - a montagem de óculos, mediante receita médica.

X - o acondicionamento de produtos (classificados na tabela do RIPI), adquiridos de terceiros, em embalagens confeccionadas sob a forma de cestas de natal e semelhante.

XI - o conserto, a restauração e o recondicionamento de produtos usados, nos casos em que se destinem ao uso da própria empresa executora ou quando essas operações sejam executadas por encomenda de terceiros não estabelecidos com o comércio de tais produtos, bem como o preparo, pelo consertador, restaurador ou recondicionador, de partes ou peças empregadas exclusiva e especificamente naquelas operações.

XII - o reparo de produto com defeito de fabricação, inclusive mediante substituição de partes e peças, quando a operação for executada gratuitamente, ainda que por concessionários ou representantes, em virtude de garantia dada pelo fabricante.

XIII - a restauração de sacos usados, executada por processo rudimentar, ainda que com emprego de máquina de costura.

XIV - a mistura de tintas em si, ou com concentrados de pigmentos, sob a encomenda do consumidor ou usuário, realizada em estabelecimento varejista, efetuada por máquina automática ou manual, desde que fabricante e varejista não sejam empresas interdependentes.

Segundo Marçal Justen Filho, industrialização são "as atividades materiais de produção ou beneficiamento de bens, realizadas em massa, estandartizadamente". Diz ainda que "os bens industrializados surgem como espécimes idênticos dentro de uma classe ou de uma série intensivamente produzida (ou produtível, denotando homogeneidade não personificada nem personificável de produtos)".

Haveria, portanto, a necessidade de uma produção massificada, padronizada, produzida em série, como um dos requisitos básicos a identificar conceitualmente a industrialização.

Outro aspecto a destacar diz respeito ao fato gerador do IPI. Nos termos do art. 46 do CTN, o referido imposto tem por fato gerador (a) seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira, (b) a saída destes do estabelecimento do contribuinte, e (c) sua arrematação, quando apreendidos e levados a leilão. Fácil observar que o IPI não incide sobre o processo de industrialização, mas sim "em operações com produtos industrializados", no dizer de Geraldo Ataliba. Nasce o imposto com o ato de comércio que corresponda a um negócio jurídico, vale dizer, uma venda. Diz o mestre: "é só havendo um industrial vendedor que se tem verificada a condição suficiente para ocorrência da hipótese" (Hipótese de incidência do IPI, Revista de Direito Tributário, 37/151).

Podemos, assim, concluir que o IPI incide sobre as operações mercantis de venda de produtos industrializados, efetuadas pela indústria ou por empresas delegadas, considerando produtos industrializados aqueles resultantes de produção em série ou padronizada, respeitadas as exceções (desembaraço aduaneiro e arrematação em leilão) citadas acima.

Diante deste contexto, a Justiça, de início, restringia a incidência do ISS aos seguintes enunciados considerados essenciais:

- O serviço não deve constituir etapa do ciclo de industrialização ou comercialização do produto;

- O ISS atinge os serviços aplicados em bens que se destinam exclusivamente a usuários ou consumidores finais;

- O ISS incide sobre serviços que não transformam ou modificam a da finalidade da coisa.

A Lei Complementar n. 116/03 trouxe mudanças significativas. Uma delas diz respeito ao subitem 14.05, quando comparado ao antigo item 72 da Lei Complementar n. 57/86. Vejamos:

Subitem 14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento e congêneres de objetos quaisquer (conforme alteração promovida pela Lei Complementar n. 157/2016).

Tínhamos, anteriormente, na lista de serviços da L/C 56/87:

72 - Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização (grifo nosso).           

Verifica-se, pois, que houve a retirada da condição anterior: "de objetos não destinados à industrialização ou comercialização", aplicando-se em seu lugar a expressão: "de objetos quaisquer". Neste sentido, o que de fato mudou?

De plano, continua a vigorar, por evidência, que os serviços só estão sujeitos ao ISS se aplicados em bens de terceiros, ou seja, o serviço é executado no bem do contratante, tornando-se parte integrante desse bem. Exemplos: a pintura de um veículo; o polimento de um metal; a anodização de parafusos, porcas e arruelas.

Temos, assim, como uma das distinções entre serviço (ISS) e industrialização (IPI):

- No ISS, o serviço (bem imaterial) será parte integrante de um bem corpóreo (respeitadas as exceções dos chamados ‘serviços puros’, serviços que não agregam materiais e nunca seriam confundidas com operações de IPI);

- No IPI, o objeto produzido poderá ser tratado e comercializado por si só, sem fazer parte de outro bem.

O próprio regulamento do IPI destaca as exceções:

Não são consideradas operações sujeitas ao IPI:

XI - o conserto, a restauração e o recondicionamento de produtos usados, nos casos em que se destinem ao uso da própria empresa executora ou quando essas operações sejam executadas por encomenda de terceiros não estabelecidos com o comércio de tais produtos, bem como o preparo, pelo consertador, restaurador ou recondicionador, de partes ou peças empregadas exclusiva e especificamente naquelas operações.

São, portanto, atividades industriais, sujeitas ao IPI, as que acondicionam ou recondicionam produtos, alterando a sua apresentação pela colocação do produto ou de sua embalagem. Ou, então, são aquelas que renovam ou recondicionam produtos usados, ou suas partes ainda aproveitáveis, mas sempre com a finalidade de comercialização. As exceções ficam por conta das atividades exercidas em bens da própria empresa executora, ou executadas em bens de terceiros não estabelecidos com o comércio de tais produtos, conforme visto acima.

A propósito, cabe lembrar a crítica contundente de Hugo de Brito Machado sobre a inclusão de operações de acondicionamento que não modificam a natureza, finalidade ou aperfeiçoem o produto para o consumo, como fato gerador do IPI. Disse o laureado tributarista: "Registre-se que a legislação do IPI amplia o conceito de produto industrializado, nele incluindo operações como o simples acondicionamento, ou embalagem, que na verdade não lhe modificam a natureza, nem a finalidade, nem o aperfeiçoam para o consumo. Tal ampliação viola o art. 46, parágrafo único, do Código Tributário Nacional. Configura, outrossim, flagrante inconstitucionalidade, na medida em que o conceito de produto industrializado, utilizado pela Constituição para definir a competência tributária da União, não pode ser validamente ampliado pelo legislador ordinário" (Curso de Direito Tributário, 23ª ed., Malheiros, p. 304).

Seguindo a trilha do eminente professor, as atividades, tanto de acondicionamento, recondicionamento quanto de beneficiamento, quando não modificam a natureza, a finalidade ou nem aperfeiçoem o produto para o consumo, seriam prestação de serviços, e não industrialização. Mas, por evidência, seria tributado pelo ISS os serviços prestados para terceiros e nunca, é claro, para si mesmo.

Neste ponto, caberia identificar as atividades prestadoras de serviços, integrantes dos itens 14.01, 14.03, 14.04, 14.05, 14.09, 14.10, 14.11, 14.12 e 14.13. São serviços sujeitos ao ISS aqueles que atendam todos os requisitos seguintes:

1) O serviço é prestado em um bem de terceiro;

2) O serviço se completa ou se exaure na sua própria aplicação, tendo, por isso, um valor econômico independente do valor do bem em que foi aplicado;

3) O serviço não visa modificar a natureza, a finalidade ou o aperfeiçoamento do bem em que é aplicado, mas sim, melhorar o seu aspecto, consertá-lo, restaurá-lo, dar-lhe condições de uso etc.

Assim, se o cliente encomenda um mobiliário, com desenho e projeto próprio, a marcenaria contratada vai produzir algo novo, mesmo que seja modelo específico. Não se trata de serviço, mas, sim, uma industrialização. Não cabe ISS. Contudo, se o cliente entrega um móvel usado ao marceneiro para que este faça alguns reparos naquele móvel, tal serviço sofreria incidência do ISS.

Da mesma forma, o exemplo do estaleiro naval no topo deste artigo. O estaleiro fabrica coisa nova, ou seja, executa um trabalho de transformação de materiais e insumos num produto novo. Não há, portanto, incidência do ISS (provavelmente do IPI, se não for isento). Todavia, quando o estaleiro recebe uma plataforma (por exemplo), para executar serviços de reparos, de conserto, de restauração, de beneficiamento, nunca seria tal atividade tributada pelo IPI ou ICMS, pois não ocorre comercialização. Estamos diante, tão somente, de uma prestação de serviço, podendo ser enquadrada nos subitens 7.02, 14.01 e 14.05, a depender da natureza do contrato.

Algumas decisões da Justiça:

Superior Tribunal de Justiça:

1. A Turma de Direito Público do STJ possuem precedentes no sentido de que a "industrialização por encomenda" caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência de ISS, e não de ICMS.

2. Agravo regimental não provido.

AgRg no REsp 1559609/SC – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 18/12/2015.

Parte do Voto do Ministro Relator:

No caso dos autos ficou assentado na instância ordinária que os componentes têxteis tem como destinatário específico o único cliente, o que vem configurar a ocorrência da industrialização por encomenda, na medida que a "industrialização por encomenda" constitui atividade-fim do prestador do aludido serviço, tendo em vista que, uma vez concluída, extingue o dever jurídico obrigacional que integra a relação jurídica instaurada entre o "prestador" (responsável pelo serviço encomendado) e o "tomador" (encomendante) Nesse ponto, "A Turma de Direito Público do STJ possuem precedentes no sentido de que a 'industrialização por encomenda' caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência de ISS, e não de ICMS".

Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. "INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA". PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. BENEFICIAMENTO DE MÁRMORE/GRANITO. INCIDÊNCIA DE ISS. PRECEDENTES.

1. As Turmas de Direito Público desta Corte têm entendimento consolidado no sentido de que a "industrialização por encomenda", consistente no beneficiamento de mármore ou granito, caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência de ISS, e não de ICMS. Precedentes: AgRg no AREsp 134.459/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 06/03/2018 e AgRg no AREsp 328.624/ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25/09/2013.

2. Agravo interno não provido.

AgInt no AREsp 1321944 / ES – Rel. Min. Sergio Kukina - DJ 16/10/2018.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

A atividade de beneficiamento de peças é sujeita à incidência do ISS, por previsão no subitem 14.05 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Na forma do art. 7º do diploma, a base de cálculo do tributo corresponde ao preço do serviço prestado, não havendo previsão legal para a dedução dos materiais utilizados no beneficiamento. O art. 7º, § 2º, I, da LC nº 116/2003 apenas permite a dedução da base de cálculo dos materiais empregados na realização das atividades dispostas nos subitens 7.02 e 7.05 de sua lista anexa, não se enquadrando neles os serviços prestados pela contribuinte. Precedentes do STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Mantida a verba fixada em 5%, considerando-se as peculiaridades do caso. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70066406893, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 23/09/2015).