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Tributos Municipais

Mais uma vez, a questão do ISS de cartões de crédito

O Jornal Valor, de 2 de abril corrente, noticia que a Justiça Federal “frustrou a expectativa de municípios de cobrar o Imposto sobre Serviços de uma credenciadora de cartões de crédito e débito”. Diz o jornal que mais de cem Municípios alegam que a presença de máquinas nos estabelecimentos espalhados por essas cidades já autorizaria o recolhimento do tributo.

Ainda segundo o jornal, a justiça federal entendeu que o ISS pertence ao Município onde estiver localizada a sede econômica da operadora de cartão, onde está toda a sua infraestrutura de tecnologia da informação. O caso ainda depende de decisão final.

Percebe-se que o resultado da lide encaminha-se na direção da decisão do leasing, pela qual o fato gerador é onde se “perfectabiliza” a operação. Aliás, a Juíza Graciella Lorenzo Salzman cita textualmente, como precedente, a incidência do imposto sobre operações de leasing.

Essa decisão reforça a nossa posição ao afirmar que os Municípios estão cobrando errado o ISS dos cartões de crédito e débito. Não temos dúvida de que as maquinetas usadas para operar os cartões são simples instrumentos e o seu uso não caracteriza o fato gerador do imposto. A nosso ver, o adimplemento da obrigação ocorre com a disponibilização do dinheiro da aquisição na conta do estabelecimento vendedor. O uso da maquineta é mera atividade meio.

Os Municípios estão esquecendo o fundamental: a “parceria” da operadora com o banco emissor na prestação do serviço. São dois prestadores de serviços que se unem para viabilizar a prestação e um depende do outro. A comprovação desse fato é de uma clareza tão cristalina que surpreende não ter sido observada pelos gestores dos Fiscos Municipais.

Bastaria examinar o contrato de adesão que os estabelecimentos assinam com a operadora do sistema. Observem a redação da Cláusula 18ª do contrato padrão da Cielo:

“Cláusula 18ª - O ESTABELECIMENTO reconhece que a sua adesão ao SISTEMA CIELO implica na contratação da CIELO para administrar a liquidação, e também na contratação do EMISSOR do CARTÃO para que este realize a cobrança do valor da TRANSAÇÃO junto ao PORTADOR, devendo tal valor ser repassado ao ESTABELECIMENTO no prazo acordado com a CIELO, desde que a TRANSAÇÃO tenha sido realizada de acordo com este CONTRATO, e depois de deduzidas a COMISSÃO, taxas e encargos aplicáveis” (grifei).

Fácil verificar que o Estabelecimento está contratando não só os serviços da Operadora, mas, também, do Banco Emissor. A Operadora é contratada para administrar a liquidação; o Banco Emissor para que realize a cobrança do valor da transação junto ao portador. Deste modo, o tomador do serviço contrata dois prestadores para que cada um execute parte do serviço.

Examine agora a redação do parágrafo primeiro da Cláusula 18ª:

“Parágrafo Primeiro – Quando do recebimento pelo EMISSOR do valor da TRANSAÇÃO em pagamento do valor devido pelo PORTADOR, o EMISSOR poderá deduzir e reter a parte que lhe for aplicável da quantia correspondente à COMISSÃO” (grifei).

A significar, portanto, que cabe ao Banco Emissor a cobrança da comissão pertinente à prestação do serviço. Não há, assim, pagamento direto da remuneração pelo Estabelecimento à Operadora. Quem retém a parcela destinada a remunerar o serviço é o Banco Emissor.

E vamos à Cláusula 25ª do referido contrato de adesão:

“Cláusula 25ª - Em decorrência da afiliação e serviços previstos no CONTRATO, o ESTABELECIMENTO pagará uma COMISSÃO, da qual uma parte remunerará os serviços prestados pelo EMISSOR do respectivo CARTÃO ou MEIO DE PAGAMENTO e a outra parte remunerará os serviços prestados pela CIELO” (grifei).

Ainda há alguma dúvida? O Estabelecimento contrata tanto o Banco Emissor quanto a Operadora, e pagará uma comissão, a guisa de remuneração, pelos serviços prestados pelos dois prestadores.

Para que não haja confusão, bom esclarecer que Banco Emissor é quem emite o cartão de crédito/débito para os seus usuários, sendo responsável pelo cadastro e liquidez de seus correntistas portadores de cartão. Cabe a ele debitar a despesa na conta do portador do cartão. E cabe a ele receber a comissão integral devida pelo Estabelecimento.

Ora, quando dois ou mais prestadores se unem para prestar um serviço conjunto, a lei pode estabelecer a obrigação solidária do imposto devido. O instituto da solidariedade está previsto no art. 124 do Código Tributário Nacional:

“São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei”

“Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”

Pois o Banco Emissor e a Operadora têm interesse comum na realização do fato jurídico. Há uma dependência entre os dois porque o serviço de um depende do serviço do outro, sem esquecer que a receita provém de um mesmo valor, da Comissão, que será rateada entre eles.

E em que lugar se localiza o Banco Emissor? Sem qualquer dúvida no Município onde estiver localizada a agência que emitiu o cartão ao seu correntista. O que estamos dizendo é que não importa o lugar do Estabelecimento lojista. O que importa é o local da agência que emitiu o cartão utilizado pelo seu correntista. Este é o local de incidência do ISS.

Reafirmando: o Estabelecimento lojista contrata, também, o Banco Emissor. Este Banco Emissor tem agências bancárias localizadas em diversos Municípios. A operação de débito e retenção da comissão é feita em uma dessas agências, aquela que tem a conta corrente do usuário do cartão. Assim, quem prestou parte do serviço foi o Banco Emissor através de suas agências.

Para terminar: a taxa de desconto (que oscila de 2% a 5% do valor da transação) é retida pela agência do Banco Emissor. Do valor total, o Banco fica, aproximadamente, com 48% do total, o que será a sua receita na operação. Transfere o restante para a Operadora e esta repassa, mais ou menos, uns 4% do total para a Bandeira (Visa, Mastercard e outras). Caso o Município estabeleça por lei a obrigação solidária, poderá cobrar da Agência de sua cidade o ISS desse serviço, tanto da parte que coube à agência, como, também, das parcelas da Operadora e da Bandeira.

E se alguém perguntar: Mas o ISS não deve incidir onde estiver localizado o Estabelecimento lojista? Respondo: Não! A incidência ocorre no estabelecimento do prestador. E a agência do Banco Emissor configura-se como estabelecimento prestador.

Roberto A. Tauil – abril de 2015.