Pergunta de um assinante: “Gostei da lei do Município XXX quando trata da substituição tributária no ISSQN. Favor examiná-la e enviar seus comentários”.
Resposta do Consultor:
A lei do Município de XXX apresenta certas irregularidades que não deveriam ser repetidas na lei do seu Município. Para explicar, permita-me fazer alguns comentários sobre a sujeição passiva indireta.
O art. 128 do CTN (que foi praticamente repetido no art. 6º da LC n. 116/03) diz que a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Observa-se, assim, que há dois tipos de responsabilidades possíveis pelo CTN:
a) aquela que exclui toda a responsabilidade do contribuinte, transferindo-a, portanto, a terceira pessoa;
b) aquela que assume responsabilidade superveniente (supletiva), não excluindo a figura do contribuinte original.
Essas últimas são chamadas responsabilidades por transferência, denominação dada por Rubem Gomes de Souza e aceita pela doutrina em geral.
Teríamos, então:
Sujeição Passiva Indireta:
Por substituição (assume integral responsabilidade e exclui a figura do “contribuinte original”);
Por transferência, que pode ser: a) por solidariedade; b) por sucessão; e c) por responsabilidade.
Fato importante e essencial para identificação da situação acima, conforme magnífico resumo de Sacha Calmon Navarro Coelho:
- na substituição, a obrigação surge de imediato contra uma pessoa diferente daquela que seria, em termos normais, o contribuinte;
- na transferência, a obrigação surge contra o contribuinte, entretanto, em virtude de um fato posterior, essa obrigação é transferida para outra pessoa.
Em outras palavras, o substituto quita dívida própria; o responsável por transferência paga dívida de outra pessoa.
Outro aspecto importante é que a responsabilidade tem que ser atribuída de modo expresso, conforme dita o CTN. Ou seja, tem que estar expressamente estabelecida em lei. Vai daí que o § 1º do art. 4º da lei de XXX está eivado de total inconstitucionalidade, pois remete a decreto tal incumbência.
Em relação à responsabilidade de retenção na fonte pagadora do imposto alheio, é evidente que tal responsabilidade não se agrupa nas chamadas responsabilidades por transferência e muito menos nas responsabilidades por substituição. Trata-se, tão somente, de um ato material de fazer, por determinação expressa da lei. Em nenhum momento, o responsável pela retenção na fonte assume a posição de sujeito passivo da obrigação. Nada mais lhe é exigido, a não ser efetuar a retenção e recolher o imposto aos cofres públicos. Todavia, nada impede que a lei o sub-rogue na obrigação, isto é, a lei estabeleça a sub-rogação do retentor na obrigação tributária, assumindo este o dever de pagar diretamente o débito, caso não faça a retenção a que está obrigado. Mas, é evidente, que o sub-rogado não assume as multas ou outras sanções dirigidas ao contribuinte. Pode responder pela própria mora, caso atrase o recolhimento, mas não por qualquer ilícito praticado pelo contribuinte.
Dito isso, fácil observar que as figuras de substituto e retentor na fonte não se conciliam, uma nada tem a ver com a outra. Por isso, incabível a lei determinar ao substituto efetuar a retenção na fonte (outro erro da lei do Município XXX). As partes (prestador e tomador) podem até convencionar entre eles o direito de reter (assunto de direito privado), mas a lei tributária não pode exigir tal disparate. Como diz Marco Aurélio Greco: “o substituto é agente de percepção do Estado. Não é agente de retenção, porque não tem acesso a um patrimônio do qual deverá reter uma parte”.
Outras consequências de tal diferença:
- Ao retentor pode ser imputado o delito de apropriação indébita (reteve e não recolheu). Aos responsáveis apenas a inadimplência;
- O dever do retentor é de fazer; o dos responsáveis é de dar;
- O retentor não tem legitimidade para contestar ou impugnar o lançamento tributário; os responsáveis têm legitimidade para contestar ou impugnar;
- O retentor não pode repetir o indébito, a não ser quando recolher valor maior do que o retido. Os responsáveis têm direito a repetir o indébito.
Recomendo, assim, cautela diante da lei do Município XXX.
Roberto A. Tauil
Outubro de 2014.