Roberto A. Tauil - Julho de 2020
(publicado originalmente em junho de 2015)
A base de cálculo dos tributos pode ser determinada em valores concretos, indiscutíveis diante da representatividade de seus elementos fáticos, ou, então, presumida, estimada ou arbitrada, em função de critérios estabelecidos em lei, ou por presunção/avaliação da autoridade fiscal, mas sempre subordinada aos ditames da norma legal.
Qualquer que seja a forma de determinação da base de cálculo, esta não pode dissociar-se do fato jurídico que lhe deu causa, nem mesmo quando calculada por presunção, arbitramento ou estimativa. Ao fato jurídico adiciona-se o fato econômico, mas este não pode substituir aquele. Ou seja, a autoridade fiscal sempre deve se submeter ao fato jurídico quando estabelecer critérios de fixação do fato econômico.
Como exemplo: o fato jurídico do IPTU, em relação à base de cálculo, é o valor venal do imóvel (hipótese de incidência do imposto). A presunção/avaliação do valor venal do imóvel, exercida pela autoridade administrativa, tem que estar subordinada ao seu fato jurídico, qual seja o valor venal do imóvel. A presunção/avaliação não é, assim, ato independente do seu autor: tem que estar atrelada à ordem jurídica pré-estabelecida. Extrapolar ou subestimar o valor venal incorre numa ilegalidade.
Vai daí que o executor da norma não se comporta acima da lei, nem mesmo na procura dos meios para o seu cumprimento. Até mesmo os meios investigados são - ou devem ser - previstos em lei. Disse Luigi Berliri: “não se deve esquecer que é competência reservada ao legislador a escolha não somente do fim ao qual ele deve endereçar uma determinada regra jurídica, mas também dos meios para alcançar aquele fim”.
Por isso, o legislador aprova a chamada “planta de valores genéricos”, no caso do IPTU. O uso desse instrumento é o meio adotado pela autoridade administrativa para chegar ao valor do imóvel, base de cálculo do imposto. Percebe-se, portanto, que a autoridade lançadora não pratica o ato ao seu talante, por conclusões próprias e pessoais: submete-se aos desígnios do fato jurídico.
Contudo, em muitos casos a escolha dos meios presuntivos, que possibilitem alcançar de forma mais realista possível o fato econômico da base de cálculo, é dificultada em razão dos diversos aspectos ou situações de fato que envolvem o fato jurídico disposto na lei. Em tais situações, a premissa maior a alcançar está contida no dúbio significado da ‘capacidade contributiva’ do sujeito passivo, cuja avaliação, em diversas situações, demandaria inúmeros exames de auditoria e investigação fiscal.
Essas dificuldades de avaliar efetivamente a capacidade contributiva do sujeito passivo obriga o legislador a estabelecer fatos práticos que venham, razoavelmente, a ajudar na sua identificação. Tais fatos foram denominados por Alfredo Augusto Becker de signos presuntivos da capacidade contributiva do sujeito passivo.
Temos, então, como exemplos, a determinação do lucro presumido para pagamento do Imposto de Renda das pessoas jurídicas e o crédito presumido do ICMS, além de tantas outras normas jurídicas que estabelecem presunções práticas que possam adequar o fato econômico ao fato jurídico. No caso do Imposto de Renda, presume-se que o sujeito passivo obteve lucro em seus negócios, o qual, então, é calculado conforme disposto na lei. Mas é possível que a verdade seja outra, que o lucro obtido foi bem menor do que o previsto na lei, ou até mesmo a inexistência de lucro, tendo o sujeito passivo sofrido prejuízo. Em tais circunstâncias, pode o contribuinte requerer ao Fisco a apuração do seu lucro real, desde que mantenha a correta escrituração de suas transações e cumpra as demais obrigações acessórias que lhe são imputadas.
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou o critério denominado “Pauta Fiscal”, para apuração do ISS de serviços de construção civil, uma forma de cálculo presumido, ou seja, o ISS poderia também ser calculado mediante presunção de sua base de cálculo, desde que, evidente, tal método estiver previsto em lei.
Diz-se que a presunção legal pode ser “absoluta”, “condicional” e “mista”. Segundo Moacyr Amaral dos Santos, as presunções absolutas (juris et de jure) não admitem prova em contrário; as condicionais ou relativas (juris tantum) admitem prova em contrário; e as mistas não admitem contra a verdade por elas estabelecidas senão certos meios de prova, referidos e previstos na própria lei.
A presunção legal se destaca da ficção legal porque aquela se baseia numa premissa verdadeira, da qual estabelece um fato desconhecido. Ou seja, há uma correlação entre o fato verdadeiro e o fato presumido. Na ficção legal não há qualquer correlação provável entre um fato conhecido e o fato instituído. Importante explicação de Becker: “A distinção entre a presunção e a ficção existe apenas no plano pré-jurídico, enquanto serviam de elemento intelectual ao legislador que estava construindo a regra jurídica. Uma vez criada a regra jurídica, desaparece aquela diferenciação porque tanto a presunção, quanto a ficção, ao penetrarem no mundo jurídico por intermédio da regra jurídica, ambas entram como verdades (realidades jurídicas)”.
Um exemplo de ficção jurídica é o chamado ISS fixo. Não há qualquer elemento verdadeiro que possa servir de correlação com o valor definido do imposto na lei. Nem mesmo a base de cálculo do ISS fixo é firmemente estabelecida, se a lei veda, no caso, o valor da prestação do serviço como sua base. E as leis municipais, em geral, não distinguem os “fatores pertinentes” aplicados no cálculo, definindo apenas a natureza do serviço. Com razão, Becker diz que “na ficção a lei estabelece como verdadeiro um fato que provavelmente ou com toda a certeza é falso”. O ISS fixo, convenhamos, é premissa totalmente falsa.
Deste modo, a estimativa pode ser uma presunção ou uma ficção, mas ambas têm que estar definidas no plano jurídico. A dizer, então, que a estimativa não pode ser construída, por conta própria, pela autoridade fiscal. A lei deve instituí-la.
A base de cálculo estimada pode ser por presunção absoluta, condicional ou mista. O IPTU é calculado mediante uma presunção mista, pois admite certos meios de prova contra a ‘verdade’ do valor lançado. As taxas, em geral, são presunções absolutas, se baseadas corretamente no custeio da contraprestação.
Muitas leis municipais instituem a estimativa para certas atividades de serviços, tendo o legislador o cuidado de definir correlações para o seu cálculo. Apenas para dar um exemplo, a lei municipal pode instituir a estimativa do ISS na atividade de hospedagem, mas sem deixar de estabelecer a correlação com o valor normal da diária aplicada, o número de apartamentos e um percentual de ocupação. Temos, ao caso, uma presunção condicional, pois o sujeito passivo pode refutá-la se apresentar provas materiais que a contradizem.
O arbitramento não é modalidade de lançamento, mas, sim, uma técnica excepcionalmente utilizada para definir a base de cálculo de um tributo. Tem esta natureza de excepcionalidade porque o Código Tributário Nacional relaciona, por exaustão, os pressupostos que o permitem.
O arbitramento é, assim, permitido quando o sujeito passivo se omite e recusa prestar informações indispensáveis a determinação da base de cálculo ou quando tais informações, embora prestadas, não mereçam fé por falta de documentação apropriada.
O art. 148 do CTN esclarece a natureza sempre condicional da presunção fixada através do arbitramento, ao dizer ao final do texto: “... ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”. Como diz a Professora Misabel de Abreu Machado Derzi, “as presunções adotadas são juris tantum, admitindo outra avaliação contraditória”.
Em conclusão, bases de cálculo presumida, estimada e arbitrada são instrumentos jurídicos possíveis e legítimos, desde que tenham o devido amparo legal. Não são armas de confisco ou da sanha arrecadatória, quando procuram o caminho da capacidade contributiva do sujeito passivo e aplicada aos termos da lei.