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Tributos Municipais

Vinculação e natureza jurídica das taxas municipais

Roberto A. Tauil – Julho de 2016.

Diz o art. 145 da Constituição Federal que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir (...): II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou posto a sua disposição.

Como se vê, e como ensina Bernardo Ribeiro de Moraes, a taxa é um tributo delimitado constitucionalmente, com campo de incidência ligado ao exercício do poder de polícia por parte do Poder Público ou à utilização por parte do contribuinte, de serviços públicos específicos e divisíveis. Aspecto interessante: quando se refere ao poder de polícia, contribuinte é quem ‘sofre’ a ação do poder de polícia, a ser exercida a favor do interesse coletivo; quando se refere aos serviços públicos, contribuinte é quem se utiliza, direta ou potencialmente, desses serviços públicos.

A dizer, portanto, que aqueles que estão fora das ações do poder de polícia, e aqueles que não se aproveitam, direta ou potencialmente, dos serviços públicos geradores de taxa, não são e nem podem ser contribuintes desses tributos.

Outro aspecto importante, e muito bem explanado por Leandro Paulsen, é o fato de ter exatamente na finalidade de sua instituição, critério básico de validação constitucional, a taxa só pode ser legitimamente exigida se a sua finalidade for efetiva, real, e não um mero enunciado de intenções. Em outras palavras, o poder de polícia tem que existir, por meio de quadro próprio e de atuação efetiva; o serviço público tem que ser realmente executado, ou posto à disposição de seus contribuintes.

E mais um, a nosso ver fundamental: que os recursos arrecadados são efetivamente aplicados na finalidade de sua instituição, ou no cumprimento da base legal que fundamenta a sua cobrança.

Este artigo trata das três condições acima:

I – os contribuintes das taxas;

II – as finalidades das taxas;

III – a vinculação dos recursos arrecadados em função da cobrança de taxas.

Contribuintes das taxas

Todas as leis instituidoras de tributos estabelecem os elementos de suas hipóteses de incidências. Quando tais hipóteses se concretizam, ocorre a relação jurídica, o fato imponível da exação. O sujeito passivo da taxa é aquele que figura no polo negativo da relação, isto é, por cometer ou provocar o cometimento do fato gerador, sujeita-se de imediato à obrigação tributária.

O tributo taxa tem peculiaridades no que se refere ao sujeito passivo. Uma delas é de que o sujeito passivo é sempre o contribuinte, admitindo-se, porém, integrar-se ao polo passivo da obrigação o responsável por sucessão. Podem ser sujeitos passivos de taxa que grave o imóvel, como, por exemplo, a taxa de coleta de lixo, o seu adquirente, o espólio e até mesmo o promitente comprador quando imitido na posse. É também sujeito passivo de taxa que grave estabelecimento a pessoa jurídica que resultar de um processo de fusão, transformação e incorporação ou aquele que adquira fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continua a respectiva exploração, mesmo que sob outra razão social ou outro nome individual, respeitando-se as condições especiais previstas no art. 133 do Código Tributário Nacional.

Nas taxas decorrentes do exercício de poder de polícia o sujeito passivo é quem sofre a fiscalização, aquele a quem a atividade fiscalizadora estiver dirigida. Deste modo, a lei se obriga a identificar metodicamente o campo de ação do poder de polícia que vem a exercer.

As finalidades das taxas

Na área de poder de policia, os Municípios contam com uma série de taxas, sendo as mais comuns:

I – A Taxa de Licença para Localização e Funcionamento;

II – A Taxa de Licença de Publicidade e Propaganda;

III – A Taxa de Vigilância Sanitária;

IV – A Taxa de Fiscalização do Meio Ambiente;

V – A Taxa de Licença para Construções e Conclusão de Obras.

A Taxa de Licença para Localização e Funcionamento poderia ser desmembrada em duas, o que seria mais razoável em termos de suas funções distintas:

I – Taxa de Licença de Localização de Estabelecimento, a ser cobrada uma única vez, quando do pedido de abertura do estabelecimento, ou, então, quando ocorrer transferência do endereço do estabelecimento;

II – Taxa de Licença de Funcionamento de Estabelecimento, a ser cobrada anualmente em razão do exercício regular do poder de polícia.

A denominação da taxa não tem maior relevância. O que importa é a definição clara na lei do seu fato gerador e a sua base de cálculo. Assim, as denominações acima podem ser diferentes, desde que atendam os dispositivos legais. As denominações aqui utilizadas são, portanto, meras ilustrações.

Ao ser solicitado o alvará de funcionamento para que o estabelecimento possa dar início às suas atividades, o setor de Fiscalização de Posturas (ou denominação similar) incumbe-se de três tarefas essenciais: a) verificar se a atividade a ser exercida pelo estabelecimento é permitida no local pretendido; b) examinar a documentação apresentada, verificando se todas as exigências, dispostas na legislação, foram cumpridas; c) efetuar vistoria no estabelecimento antes de sua abertura ao público. Se tudo estiver de acordo, aí sim, emite-se o alvará de funcionamento.

Para efetuar o trabalho decorrente do pedido de alvará, exige-se o pagamento da Taxa de Licença de Localização de Estabelecimento (ou Taxa de Vistoria). Se no futuro o contribuinte resolver transferir o estabelecimento de local, novas atuações serão feitas para liberar o novo alvará, verificando-se a viabilidade do novo local e uma nova vistoria. E sendo assim, a taxa será novamente cobrada.

A vistoria será efetuada de acordo com a atividade a ser exercida no estabelecimento. Se for atividade que esteja no rol de fiscalização da Vigilância Sanitária, esta será responsável pela vistoria. Se for atividade que envolva risco ao meio ambiente, incumbe-se a Fiscalização do Meio Ambiente. Se for atividade que não se relacione com aspectos sanitários e de saúde, e tampouco com o meio ambiente, a vistoria será efetuada pelo quadro de Posturas.

Importante ressaltar que a referida vistoria nada tem a ver com a vistoria de edificações para liberação do habite-se. Vistoria para liberação do alvará de funcionamento se refere às instalações e mobiliário do estabelecimento, se estes são compatíveis às atividades que ali serão exercidas. Vistoria para habite-se examina o cumprimento do projeto de edificação e se esta tem condições de habitabilidade.

A Taxa de Licença de Funcionamento de Estabelecimento é lançada e cobrada todos os anos, tendo por data de incidência o primeiro dia do exercício. Apesar de o fato gerador ocorrer no primeiro dia do exercício, o Município pode estabelecer outra data para pagamento, desde que fixada durante o ano devido. Em geral, essa taxa é fracionada na primeira cobrança, levando em conta a data da abertura do estabelecimento. Por exemplo: se o alvará foi liberado em junho, o contribuinte pagará, neste exercício, por seis meses (de julho a dezembro). A partir do ano seguinte, pagará normalmente por doze meses. Vários Municípios dispensam o pagamento do primeiro ano quando o alvará foi liberado no último trimestre.

O fato gerador da Taxa de Licença de Funcionamento de Estabelecimentos é o exercício regular do quadro efetivo do poder de polícia. É preciso que o Município tenha realmente um quadro de fiscalização do poder de polícia. Neste contexto, registra-se que Fiscal de Tributos nada tem a ver com fiscalização de posturas, de vigilância sanitária, de meio ambiente ou de obras. As funções dos Fiscais de Tributos são destinadas ao exercício de lançamento tributário e fiscalização dos tributos correspondentes. Trata-se de um quadro especializado em tributos, e não em posturas municipais. Do mesmo modo, os Fiscais do poder de polícia não devem se envolver na fiscalização tributária, inclusive das taxas. Essa espécie de tributo é lançada de ofício pela secretaria fazendária, com base no cadastro mobiliário. Se não for quitada, a tramitação se dá diretamente daquela Secretaria para a Procuradoria Fiscal após o registro em Dívida Ativa. Cobrança tributária é assunto da Procuradoria e não dos órgãos de fiscalização.

Lamenta-se que em muitos Municípios, até hoje, Fiscais tributários são encarregados de exercerem outras fiscalizações que nada têm a ver com suas verdadeiras atribuições, o que, na verdade, acaba prejudicando os trabalhos de fiscalizar tributos. Aproveitando-se de tal situação, muitos fiscais são destinados por ordens superiores a outros serviços, deixando de lado a fiscalização de tributos, para não ‘incomodar’ os contribuintes. Isso ocorre, principalmente, em períodos eleitorais.

Caso exista realmente o quadro regular de fiscalização do poder de polícia, a taxa correspondente poderá ser lançada e cobrada, independentemente se o estabelecimento foi, ou não, fiscalizado. Decisão do Supremo Tribunal Federal.  

Ao mesmo feitio ocorre com as taxas de vigilância sanitária e de meio ambiente. Indispensável que exista o quadro funcional do poder de polícia. Fiscal é quadro de carreira e, portanto, é admitido por concurso público. Incabível Fiscal ser nomeado como se fosse cargo de confiança. Admite-se (com ressalvas) que a autoridade que chefia ou dirige o quadro seja nomeado diretamente pelo Prefeito, mas, cada vez mais, as leis municipais repudiam a nomeação de pessoas estranhas ao quadro, para exercerem a chefia da fiscalização. O motivo é óbvio: se Fiscal é nomeado por concurso público, quem o chefia deveria ser, também, servidor concursado e pertencente ao mesmo quadro.  

Da mesma forma os comumente chamados de Fiscais de Obras. Suas atividades exigem conhecimentos técnicos específicos, ligados à engenharia e arquitetura. Podem (ou deveriam ser) engenheiros ou arquitetos, mas é admissível ao quadro o nível de técnico em edificações, principalmente em Municípios de pequeno porte.

Em geral, as leis municipais instituem duas taxas relacionadas com obras particulares: A Taxa de Licença de Obras (ou Taxa de Alvará para Construção); e a Taxa de Licenciamento de Habitabilidade (ou Taxa do Habite-se). A primeira é cobrada antes do início da obra, quando o responsável requer a licença (ou o Alvará) para Construção. A segunda é cobrada ao término da obra, quando o responsável requer o Habite-se.

A vinculação das receitas das taxas

A taxa tem sempre como pressuposto legal uma atividade do Poder Público decorrente do exercício do poder de polícia ou da prestação ao contribuinte, de serviços públicos específicos e divisíveis, como ensina Bernardo Ribeiro de Moraes.

Ao contrário dos impostos (recursos livres, como dizem, mas com algumas destinações estabelecidas na Constituição Federal), a receita da taxa serve para custear determinada atividade, ou seja, a aplicação de seus recursos tem que ser condizente com a finalidade que fundamenta a sua cobrança. Se não for assim, a instituição de uma taxa vai confundir-se com imposto, o que seria inconstitucional.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “Acaso o legislador mencione a existência de taxa, mas eleja base de cálculo mensuradora de fato estranho a qualquer atividade do Poder Público, então a espécie tributária será outra, naturalmente um imposto”.

A lembrar de que os impostos são enumerados taxativamente na Constituição Federal, enquanto as taxas não são listadas, a permitir, portanto, que essas sejam instituídas pelos entes políticos de acordo com o poder de polícia e com os serviços públicos específicos e divisíveis existentes, cabíveis de serem custeados por taxa.

Diferença marcante entre imposto e taxa é que o primeiro se baseia na capacidade contributiva do contribuinte, enquanto o segundo independe da capacidade contributiva do sujeito passivo. Por isso, inadmissível base de cálculo de taxa em razão da capacidade contributiva de quem a paga, pois capacidade contributiva se refere, exclusivamente, aos impostos. Deste modo, seria inconstitucional ter como base de cálculo da taxa de coleta de lixo, por exemplo, o valor venal do imóvel ao qual o serviço é prestado. Nem tampouco a taxa de vigilância sanitária ter como base de cálculo a receita bruta do estabelecimento fiscalizado.

Base de cálculo de taxa compreende o custo de atuação, em termos proporcionais, da atividade exercida pelo Poder Público.

Não há, assim, como contestar que o produto da receita de taxa é vinculada à atividade estatal. Em outras palavras, existe, sim, a afetação do produto da arrecadação em prol da manutenção e existência da própria atividade que deu causa à cobrança da taxa. E deste modo, não deveria ser admissível a destinação das receitas de taxas para atividades não relacionadas aos custos relativos ao serviço prestado ou ao poder de polícia respectivo.

Do mesmo modo, há que se entender que a destinação da receita tributária já não é mais matéria tributária e, sim, matéria de natureza administrativa. A relação jurídica tributária esgota-se, de certa forma, no pagamento, ou quando a obrigação é extinta. A partir daí, com o dinheiro no cofre, a regra jurídica que disciplinar o seu destino e utilização é de natureza administrativa, como bem explica Alfredo Augusto Becker. Ou nas palavras de Pontes de Miranda: “Nada tem com a decretação do imposto a sua destinação. A decretação do imposto pode ser acorde com a Constituição, e não no ser a sua destinação; ou vice-versa”.

Por tais motivos, a lei municipal deveria, de forma expressa, estabelecer a regra da vinculação da receita de taxa com o respectivo serviço ou atuação de poder de polícia. Ou, pelo menos, a lei orçamentária, ao estimar a receita da taxa deveria estabelecer tal estimativa como limite mínimo das despesas relativas ao serviço correspondente ou ao exercício do poder de polícia de que trata o tributo.